quinta-feira, 31 de julho de 2008

Quadrinha dupla

Alargou o nó do dia
Apertou o nó da vida
Num salto último
Partiu sem despedida

Chegou em casa cedo
Riu da sua sorte
Alargou o nó do dia
Apertou o nó da morte

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Estilos - II

Pôs uma perna para fora do trem e percorreu toda a estação com os olhos, antes de sair por completo. Depois, abaixou o chapéu para que lhe cobrisse o rosto e seguiu em passos firmes pela noite deserta. Sentia o calor dos bolsos da casaca de couro bege e ouvia somente o som quase imperceptível das pisadas das botas pretas, pontudas e ágeis que os pés vestiam.
Dobrou uma esquina, espantando um gato e se lamentando em pensamento quando o bichano derrubou uma tampa de lata de lixo, rompendo o silêncio até então absoluto. Sentiu o vento frio no rosto e seguiu adiante.
Depois de alguns minutos de caminhada rápida, mas não apressada, chegou à ampla praça que faz frente ao casarão. Não havia nenhuma iluminação artificial, e a lua dava um tom pálido ao gramado deserto, em que balanços rangiam em suas correntes, movidos pelo vento ou por algum espírito qualquer.
Ele encarou longamente o portão enferrujado, que jazia entreaberto e depois o escancarou com um empurrão. O rangido se estendeu pela noite, mas o barulho já não o importava, conforme enfiava mais profundamente a mão no bolso e sentia o toque frio do metal.
Avançou pela trilha de pedras que levava até a porta da mansão e tocou a campainha. Sem nenhuma ansiedade, observou enquanto a única luz acesa, no quarto mais alto da casa, apagou-se e foi seguindo de janela em janela até descer as escadas e chegar ao salão principal.
Quando a porta se abriu, revelando o morador do edifício -- um velhinho franzino e recurvado, que vestia um robe de seda e chinelas --, ele inclinou-se em cumprimento educado e pediu a gentileza de entrar. O velhinho concedeu e é improvável que tenha notado a sequência de ações que se seguiu, quando uma mão ágil saiu do bolso do visitante carregando a navalha e sangrando-lhe o pescoço. O dono da casa caiu já morto, mas o assassino não procurou por jóias ou dinheiro nos móveis indefesos.
Durante as horas seguintes, limitou-se a fitar a lareira, enquanto esperava por quem lhe pagaria pelo serviço.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

terça-feira, 8 de julho de 2008

Q, w, e, r, t...

As letras tremiam. Q, w, e, r, t. A, s, d, f, g. Mas tremendo e tremendo, porque ele olhava para o teclado e os olhos tremiam porque ele tremia. Era a perna que tremia e levava o corpo todo junto e as letras acabavam tremendo na medida em que elas eram o que ele via. Eram um problema, e ele tinha que escrever, mas não sabia como começar e por isso tremia, e por tremer não escrevia. Prazos, esses é que eram o problema.

Prazos e mais prazos e contas e trabalhos e encontros e datas e agora aqueles formulários cheios de números que pareciam não ter fim nem meio, mas tinham prazo e era curto.

Só conseguia olhar para o teclado e balançar balançar balançar as pernas, balançar balançar e o prazo cada vez mais curto e as pernas cada vez mais rápidas e as letras que tremiam e dançavam e então ele parou.

Levantou, disse que ia tomar um café e nunca mais voltou.

sábado, 5 de julho de 2008

Divisões inexatas

Nadar às vezes é cansativo, às vezes é entediante. Aí eu costumo pensar em metas. Nadar 800 metros pode ser demais, mas que mal há em nadar cinquenta?, e depois mais cinquenta e mais cinquenta... A melhor forma de não parar é justamente essa, a de dividir as grandes metas e ir fazendo só mais uma, só mais uma, ad eternum ou ad nauseam.

Nas outras coisas da vida, é igualzinho. Só que eu nunca sei quantos metros faltam.