domingo, 24 de agosto de 2008

A Arte de ser superior

Existem poucas formas de se entreter no trem, e menos ainda que se relacionem à literatura. Uma delas, obviamente, é ler, mas isso pode ser um pouco chato para algumas pessoas, de forma que eu desenvolvi um costume muito mais divertido, e que já é moda entre muita gente: ser superior.
O segredo deste jogo é comparar-se literariamente a cada pessoa do trem e ser superior a todas elas.
Para começar, você pode ou não estar carregando um livro. Se você estiver, é um leitor. Se não estiver, é porque esqueceu ou porque dedicará o tempo a uma análise sociológica ou ainda porque está justamente indo comprar algum livro. Seja como for, você já está acima de todos os outros que não carregam um livro, porque são todos uns ignorantes incultos. Assim, foi feita uma filtragem que eliminou a maioria dos passageiros do vagão. Agora, é hora de escolher alvos individuais.
Haverá, então, de haver alguém que leia quadrinhos. Entenda: se você não os lê, é porque não há neles a maturidade e profundidade que você exige. Se os lê, é porque não se prende a uma visão restrita da arte, é despojado e consegue perceber o valor dessa forma de expressão. Já os outros, lêem porque não conseguem encarar um livro de verdade, e, por isso, sequer merecem entrar na competição.
Com certeza, nesse momento, você encontrará alguém lendo a bíblia ou algum livro religioso. Se o seu livro não for desse tema, você não é uma ovelha que segue um livro qualquer. Se for, você tem um lado espiritual apurado, ou a mente aberta, ou está encarando o texto com visão científica. O outro, porém, lê isso porque é ignorante e não lê mais nada; lê somente para fugir do pecado. Mais um vencido.
O próximo alvo deve estar lendo algum best-seller. Se o seu livro for um best-seller, você está atualizado e não tem preconceitos. Se não for, é porque você reconhece os clássicos. Já o outro, é um ignorante que só segue modas. Vencê-lo foi fácil e você pode se voltar para aquele que lê um livro técnico, ou de auto-ajuda. Se o seu livro for dessa sorte, você é estudioso, um bom profissional, atualizado e quer melhorar como pessoa. Se não for, você sabe reconhecer a Verdadeira Literatura, ao contrário do outro, que não pensa por si só e busca dicas prontas em livretos. Próximo.
Ao chegar essa fase, as coisas começam a parecer complicadas, mas nada tema! Agora, enfrentamos aquele com livro cuja leitura é incontestável, cujo bom gosto foi reafirmado por séculos de crítica literária, cujos méritos são unanimemente aplaudidos. Se for isso o que você lê, você é bom e não é preciso dizer mais nada. Se não for, é porque você já leu aquele livro, ou você está variando um pouco, ou, ainda melhor, você não se rende à crítica obtusa nem aos séculos ultrapassados. Você é novo e moderno e ele — o outro — sequer entende o que lê, passa pelas letras, somente, ignorante que é. Sequer há de acabar o livro e não crescerá com o que ler.
A essa altura, você deve ter eliminado todos os outros no trem. Parabéns! Você se provou superior!

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Carnaval

Ah, não, é que eu nem esquento, porque as pessoas reclamam, e falam que é baixaria, mas no fundo, todo mundo quer mesmo curtir um pouco, sabe? E é verdade que talvez isso ofusque toda a arte e o esforço e o valor cultural que eu represento ou deveria representar, e também é verdade que eu poderia me esforçar um pouquinho, um pouquinho só, pra mudar essa imagem, mas é que eu sou, sabe?, popular. Popular. Pó pular.