sexta-feira, 31 de maio de 2013

Era difícil dormir, sonhavacordado: com a empresa, com o contrato para ser firmado com os portugueses e com a vontade de não assinar nada daquilo, largar a sociedade. Gostava do sócio, a quem não suportava. O sócio era seu melhor amigo, se conheciam desde... quando? Se conheciam desde sempre, não aguentava mais.
Rolou na cama.
A empresa era criação sua, dele e do sócio, era o negócio com que ele havia sonhado e era correspondia a tudo o que ele havia esperado. (O substantivo do verbo esperar pode ser esperança, mas também pode ser espera.)
A empresa era sua maior paixão, muito provavelmente, ele que amava como todo mundo ama, que se distraía como todo mundo e que tinha uma gama variada de interesses aos quais se dedicava tanto quanto podia, tanto quanto qualquer um poderia, mas ele havia construído aquilo junto com seu melhor amigo, a quem conhecia desde sempre, e sempre que pensava no quanto havia sido difícil chegar até ali, se enchia de orgulho.
A empresa.
Não havia nada de especialmente novo na ideia de vender tubos de PVC. Não era uma vocação e não ia mudar o mundo. Não havia nada de excepcional na empresa a não ser o fato de que eles a construíram juntos, de que eles sofreram para chegar lá.
Estava calor, melhor chutar o lençol para o pé da cama junto com o cobertor.
A alternativa era o mundo inteiro, ele nem sabia dizer o que faria se largasse a empresa, talvez o sócio penasse no começo, não era essa a questão, o sócio organizaria tudo, arrumaria alguém, não era essa a questão era: o que ele queria, afinal?, ou, melhor dizendo: o que, no fim das contas, lhe faltava?
Mas também, não estava tão quente assim, volta-se o lençol.
Os portugueses eram amigos de um conhecido do sócio, ele nunca entendeu direito por que diabos haviam vindo para o Brasil atrás de oportunidades no ramo da venda de tubos de PVC, talvez os mercados europeus, a crise etc, vieram ao Brasil e trouxeram euros e conheciam alguém que conhecia seu sócio e as coisas se encaminharam logo, até porque tudo na empresa ia bem. Era uma Oportunidade, mas também um Compromisso.
Não lhe faltava absolutamente nada, nem fazia sentido perguntar isso, ainda mais agora, ele acordava todo dia feliz, dentro dos limites da razoabilidade, evidentemente, mas de qualquer forma, feliz, ia trabalhar feliz, gostava até mesmo das coisas que desgostava, gostava depois, quer dizer, de tê-las feito. E agora os portugueses, então por que parecia tão ruim a irreversibilidade das grandes decisões e por que às vezes tinha vontade de mandar tudo para o ar e por que às vezes não aguentava o sócio? --- seu melhor amigo e se conheciam desde sempre!
Ele se lembrava de quando começaram a construir a empresa, parece que foi em outra vida, era até engraçado pensar nisso assim, àquela altura. Não faziam ideia do que estavam fazendo e não faziam ideia de como as coisas se encaminhariam, então. Naquela época, faziam as coisas pelas coisas, não havia visão nenhuma do panorama geral. Deitado na cama, ele sentia uma saudade imensa daquele tempo.
Não lhe faltava absolutamente nada e ele tinha planos incríveis, mesmo naquela época, ele se empolgava com tudo o que fariam agora, com os euros, se empolgava em planejar detalhes bobos, detalhes importantes, detalhes...
Não, estava calor, mesmo, que porra.
Queria aumentar o pessoal, queria comprar um andar inteiro do prédio ao lado para usar de estoque, já havia pensado em como faria para conciliar o custo extra e achava que assim conseguiriam produzir mais, fora o frete refletindo no preço final. Em cinco anos, achava que teriam o dobro do tamanho, ainda mais agora com os portugueses, uma oportunidade, realmente, mas também um compromisso.
A alternativa era não fazer nada disso, a alternativa não era algo muito bem definido, mas era o mundo inteiro. Ele havia viajado muitas vezes, ele, que se distraía como todo mundo, e às vezes quando estava em casa, pensava que não lhe faltava absolutamente nada, que nenhum dos lugares que havia visitado eram melhores que sua casa, mas por qualquer razão, sentia muita saudade de Paris.
Ele tinha uma gama variada de interesse, via filmes como todo mundo e havia ouvido eternamente as mensagens, tentando achar algum fator de conexão. Havia ouvido repetidamente e continuaria ouvindo e achando que deveria haver algum ponto de conexão que a gente eventualmente tem que escolher entre seguir a cabeça ou seguir o coração, deve-se sempre seguir o coração, mas nã havia ponto nenhum, conexão nenhuma: ambas as alternativas correspondiam a vontades do coração.
Rolou na cama.