segunda-feira, 19 de maio de 2008

Ele morreu

Um dos problemas da linguagem escrita, acho, é mesmo que as palavras sejam todas tão democraticamente, irritantemente iguais. Os verbos são, apenas, e não param para pensar que entre eles há aqueles que são banais, corriqueiros, e aqueles que importam mais do que tudo. Aí você pode ter um texto que diz que estava o casal, e ela viveu, penou, cansou, odiou, chorou, cozinhou, pensou e pensou e pensou, decidiu, misturou, serviu; e ele amou, viveu, perdeu (o encanto?), acostumou, traiu, chegou, sentou, comeu, morreu.

Ele morreu e talvez nem se percebesse; ali, no meio de tantos outros verbos, talvez um leitor cansado, sonolento, desatento, ou sei lá que outro fator poderia fazer com que ele morresse e ninguém notasse. E na página seguinte estariam todos no enterro e só então o leitor acordaria e afastaria o livro, fazendo uma cara espantada e diria Putaqueopariu, ele morreu!, e depois voltaria as páginas correndo, pra achar exatamente aonde foi que isso tudo aconteceu.

Não podia ser assim.


Podia ser assim?:

Estava o casal, e ela viveu, penou, cansou, odiou, chorou, cozinhou, pensou e pensou e pensou, decidiu, misturou, serviu; e ele amou, viveu, perdeu (a partida?), acostumou, traiu, chegou, sentou, comeu, morreu.


Ou o contexto conta mais?

Estava o casal, e ela viveu, penou, cansou, odiou, chorou, cozinhou, pensou e pensou e pensou, decidiu, misturou, serviu; e ele amou, viveu, perdeu (tudo?), acostumou, traiu, chegou, sentou, comeu, morreu.



Ou será que, diante da efemeridade da vida, e das coisas, e de tudo, os verbos fazem bem de serem assim, todos iguais? Morreu e pronto, como bem podia não ter morrido. Ou será que melhor seria dar a ênfase através desse jogo de tudo que é a literatura?

Ou será que melhor seria o leitor ficar atento?