terça-feira, 28 de agosto de 2012

Mar, 13


Depois de vinte dias na ilha, tínhamos um repertório fantástico. Havíamos fotografado centenas de espécies marítimas, muitas delas nunca avistadas em águas tropicais, e eu tinha certeza de que algumas, inclusive, figuravam nas listas de animais extintos. Juntamos páginas e páginas de anotações sobre o comportamento daqueles animais, apontando como eles haviam adaptado seus hábitos alimentares a um clima estranho ou como reagiam à coloração diferente das espécies de corais que encontravam naquele mar etc. Era material suficiente para dezenas de livros --- e certamente suficiente para a tese de doutorado de Sílvia.
Mas eu tinha coletado muito material, também, para meu outro projeto em andamento.
Jantávamos sempre juntos: comíamos ensopados de peixes, carangueijos e lagostas --- e sempre em doses enormes como nossa fome, porque também isso o mar nos dava e tirava. Mas quando regressávamos aos nossos quartos, eu pedia licença, sempre, e saía sozinho para entender aquele lugar e aquelas pessoas.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Mar, 12


Ajeitamos nossas coisas na casa de uma portuguesa que aceitou nos ceder dois quartos. Ela explicou que o maior deles pertencia ao marido e o outro ao filho, mas que não nos preocupássemos, porque nenhum dos dois parecia prestes a voltar. De fato, os quartos pareciam estar vazios há bastante tempo, dados o cheiro e as teias de aranha embaixo do estrado da cama, mas eram bons quartos e nos acomodamos melhor do que podíamos esperar.
No dia seguinte --- e nos dez dias que o seguiram ---, acordamos cedo, pegamos nosso equipamento e mergulhamos.
Ao redor daquela ilha, havia peixes que eu nunca havia visto --- o que não é dizer pouco. Os crustáceos também eram incomuns nos mares brasileiros e chegamos a ver, a uma pequena distância uns dos outros, crustáceos típicos dos mares do norte, como a lagosta europeia, convivendo com cações comuns em nossos mares. Nos rios, a mistura não era menos inusitada, com trutas dividindo o espaço, por exemplo, com guaiamuns.
Eu passava horas com Sílvia explorando aquelas águas e nunca deixávamos de nos surpreender. Mas a cada noite, eu seguia sozinho pelas ruas da ilha, e a cada caminho que explorava, percebia que, pela primeira vez, estava mais curioso com o que havia acima do nível do mar do que embaixo dele.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Mar, 11


Não existe uma sensação que se compare ao balançar de uma escuna atirando-se contra as ondas. É um gesto de bravura. Uma briga, primeiro, contra a agitação do mar e então, na crista, a vitória que se transforma em um salto, fazendo o casco flutuar por alguns instantes antes de voltar a se chocar contra a água e então repetir tudo outra vez. Exceto que não há repetição. Cada onda é nova, cada salto é diferente. Existem pessoas que consideram o balanço das pequenas embarcações nauseante, enquanto outras parecem ter grande facilidade para dormir nestas condições, como se chacoalhadas em um berço. Nenhum destes é o meu caso. Gosto é de esticar o braço para fora e sentir meus dedos tocarem, às vezes, a água salgada. Gosto de sentir meus ombros ardendo de sol e do vento que os refresca. Gosto de olhar ao longe com toda a atenção, mesmo quando me repreendem e dizem que não há nada lá. Porque há alguma coisa, há milhares de coisas: há o mar e a promessa de que um golfinho, um peixe-voador, uma tartaruga-verde ou uma revoada de fragatas pode aparecer a qualquer momento.
Foram essas as coisas que eu senti --- e não sono ou náuseas --- enquanto íamos para a Ilha.