domingo, 23 de março de 2008

Sobre as borboletas

Eleanor era uma borboleta cor-de-rosa e laranja e de todas as cores, e ela voava e voava, mas ninguém a podia ver, exceto por Carolina. Carolina era uma borboleta, também, mas não como Eleanor, porque não voava, apenas balançava a cabeça para frente e para trás enquanto seguia Eleanor com os olhos fechados, ou abertos, porque tanto fazia.

Eleanor falou um dia para Carolina que não se preocupasse, porque um dia ambas voariam juntas e era só uma questão de tempo, mesmo. Carolina riu e disse É claro, tolinha, é claro que voaremos pra longe daqui!, e sorriu o sorriso mais lindo que se pode sorrir.

E como, sem querer, sua fala e seu sorriso escaparam do campo por onde Eleanor voava e chegaram até as enfermeiras, Carolina foi levada para o jardim. Uma das mulheres que a levava disse que era bom que ela ficasse sonhando, mesmo, que era melhor. Aí Carolina sorriu de novo, porque entendia tudo e o que ninguém sabia (só Eleanor) era que não demoraria muito até ela sair do seu casulo.

Uma semana depois, cuspiu, escondida, as pílulas da noite e, no dia seguinte, as enfermeiras não a encontraram sobre a cama: tinha voado para longe.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Triste fim ou Exercício de Consciência

Estava apático, abatido, dominado pelo medo ou pelo cansaço ou pelo choque ou talvez fosse mesmo o sono de ter acordado tão poucas horas depois de ir dormir, e tamborilava os dedos na mesa enquanto girava o copo plástico vazio em dúvida quanto a enchê-lo ou não, pela terceira vez naquela hora, com café. Não obstante, olhava firme nos olhos do outro e assentia, e esperava, já um pouco impaciente, pela frase que, ainda que tardasse, não falharia.

Conforme ouvia os números das finanças da empresa, que dançavam entre seus pensamentos vadios, girava e girava o copo nas mãos e pensava se devia ter ficado meia hora a mais naquela sexta feira, para terminar aquele relatório, ou se era melhor assim, mesmo, e que se danasse. Perguntou-se se a dança numérica e o que ela certamente significava ou significaria era algo ruim ou bom, e perguntou-se se isso fazia alguma diferença, mas surpreendeu-se ao ver que não, porque no final das contas, a vida é sempre a mesma, sempre a mesma.

Por fim, ciente de que não tinha nada a perder, deitou o copo em gesto dramático sobre a mesa, ergueu-se sem se importar em arrumar o terno e dirigiu-se ao chefe, ou ex-chefe, ou futuro ex-chefe e disse Certo, então eu estou demitido, não é mesmo?, e estava, e era.