terça-feira, 11 de novembro de 2014

Presente

Hoje em dia, eu voltei a ter medo do escuro. Medo do que há debaixo da minha cama. Medo do que há escondido no corredor.
E com o medo deveria vir a vergonha do medo, porque adultos podem ser paranóicos, se quiserem, podem instalar antivírus, trocar a senha do cartão, comprar um segundo celular, tudo dentro de um grande contexto de adultês ou adultério, conforme o caso, mas de todo modo tudo isso lícito, mas não podem ter medo do escuro, não podem de jeito nenhum pular para o mais longe que puderem da cama, de modo a fugirem do que quer que se esconda ali. Mas eu sinto medo que nem uma criança e muito francamente não sinto vergonha nenhuma, escrevo aqui, inclusive, o que não me impede de me perguntar de vez em quando por que eu fui voltar a ter medo do escuro - justo agora, eu quero dizer.
Tem outra coisa, aliás, outra coisa que resolveu me assolar agora, mas essa eu sei bem de onde vem, uma espécie de culpa ou raiva ou ambas, culpa que vira raiva que vira: efeito colateral grave mas delicioso de enfim me tornar eu mesmo, enfim falar e fazer alguma coisa, tudo errado e tudo certo, lendo tanto, também, lendo o tempo todo, e lendo também as coisas erradas ou lendo errado as coisas certas. E tão infinitamente feliz!, como nunca, talvez, antes!, tão cheio de mim e do mundo que eu às vezes quero filmar tudo o que eu vejo e mostrar pra vocês!, escrever tudo o que penso e mostrar pra vocês!, egocêntrico, talvez, mas não, mais altruísta que egocêntrico: um mundo tão lindo quanto o que eu vejo todo dia!, vocês mereciam ver também!: as flores no chão da ciclofaixa da Pedroso!, os grafites da José Queiroz Aranha!, aquele descascadinho no móvel que às vezes me lembra a cabeça de um lobo!.Tudo vai bem portanto.
Já era hora, afinal, de sentir medo de alguma coisa.