sexta-feira, 23 de agosto de 2013

B


Uma coisa notável, porque eu notei e suponho que muitos de vocês, também, se bem que em outras ocasiões, ou se não notaram notarão agora, espero, uma coisa notável, eu dizia, é o quanto elementos aparentemente pequenos do nosso cotidiano são importantes para a manutenção do nosso estado de satisfação --- e o quanto, mesmo que tentemos ser tolerantes, e já adianto que o sou, mesmo que tentemos ser tolerantes, ligeiras mudanças nesses elementos (os tais pequenos, aparentemente, e cotidianos) são suficientes para gerar todo tipo de transtorno.
Vocês talvez tenham percebido --- eu posso ter mencionado uma ou outra vez, mas também isso não importa muito, perceberão agora, se for o caso --- que eu costumo andar de ônibus. De um modo geral, é algo de que eu gosto, então eu pego o ônibus A na Paulista e o horário permite que ele vá rápido e pare em poucos pontos (o motorista também não perde tempo com bobagem e não deixa que faróis e pedestres atrasem minha volta da faculdade) e me deixa muito rapidamente em casa --- rapidamente para um ônibus, é claro, mas acho que é suficientemente rápido para que se possa dizer simplesmente: rapidamente.
Em uns poucos, menos de dez, talvez, uns poucos, de todo modo, minutos, portanto, o ônibus A percorre a avenida inteira, uma proeza, acho eu, e então o motorista vira à direita sem reduzir a velocidade um pouco depois da Paraíso e se embrenha em várias curvas até entrar na Rodrigues Alves e disparar rumo à Ana Rosa, cuja parada é simplesmente a mais longa da viagem, se bem que não há nada de simples nisso, porque significa que entram várias pessoas lá e surge o aperto de ter que dividir o banco, ter que dar lugar pra alguém etc. De lá, lá sendo a parada da Ana Rosa, claro está, ele desce em disparada e para na praça quatro quarteirões acima de onde eu moro, então eu pulo do ônibus quase sempre sozinho, ou então com uma ou duas pessoas que vão sempre para o outro lado, o que me deixa caminhar sozinho essas quatro quadras. E é muito bom andar, porque as ruas são muito vazias e silenciosas, não tem comércio nenhum e até o restaurante coreano está fechado, então eu consigo estar completamente comigo mesmo, pensar no que eu quiser, planejar alguma coisa. Então, é quase com decepção, ou seria com decepção se tudo isso não acontecesse tão tarde da noite e eu não tivesse que acordar cedo no dia seguinte, que eu chego em casa.
Enfim, são essas as coisas que eu faço todo dia, é claro que resumidas e por que não dizer generalizadas, passado imperfeito e tudo o mais, mas suficientes, acho, para que vocês entendam o que eu quero dizer. E o que eu quero dizer é que as menores mudanças nessas coisinhas todas, tão resumíveis e generalizáveis, podem nos deixar em completos apuros.
Vejam vocês, então, que um belo dia, o dia foi ontem, mesmo, mas vai saber quando vocês vão ler isso, então digo logo assim: um belo dia, que pode ser qualquer um, inclusive ontem, exceto que ontem o dia não foi assim tão belo (como se verá), aconteceu algo de terrível.
Pois muito bem, o que houve é que já algumas vezes eu me peguei na Paulista esperando pelo ônibus A, e ele demorando e então passavam os ônibus(es) B e C, ambos exatamente iguais entre si, verdes e tudo o mais, e diferentes do ônibus A, que é laranja e muito mais bonito. Diferentes mas com a similaridade fundamental de descerem até muito perto de casa, embora por outro caminho, a similaridade pragmática de me levarem da Paulista pra casa. Então, um belo dia (ontem), eu estava na Paulista e o A demorava e eu decidi, não assim tão repentinamente como essa frase pode fazer parecer, porque era algo que já me havia passado pela cabeça, enfim, eu decidi que pegaria quem viesse primeiro, A, B ou C, indistintamente. Pois muito bem, evidentemente não foi A: foi B (ou C; não defini muito bem qual seria qual). Fiquemos com B, que vem antes e, ademais, foi minha primeira opção. Foi B. E eu sou um cara de palavra, ou pelo menos fui nesse belo dia de ontem, e entrei no ônibus B sem olhar para trás.
Mal entrei, me arrependi.
O ônibus saiu como um búfalo descontrolado, uma força da natureza que partisse em direção a uma cidade sem que os cidadãos pudessem fazer nada: saiu a muitos quilômetros por hora, quase me derrubando no chão antes mesmo da catraca, e ainda por cima mudando de faixas e desviando de quem estivesse no caminho sem consideração alguma pelos passageiros. Sentei como pude, agarrei os braços do assento e me esqueci até de ler, preocupado apenas em chegar vivo. O ônibus era tão bruto, na verdade, ou por que não dizer?, tão vil, que seguiu vazio, vazio, sem nenhuma parada em que se enchesse de gente e utilidade como acontecia com o A.
E foi assim, vazio, que seguiu até a Vila Mariana e virou não na Rodrigues Alves, mas na Lins, e de lá foi embora sacudindo horrivelmente, atemorizando quem cogitasse atravessar a rua e me jogando pra lá e pra cá.
Depois de algum tempo, eu levantei e tive que olhar pela janela até determinar o ponto mais adequado para descer, porque não conhecia bem o percurso, que além de tudo me deixaria algumas quadras para baixo de casa, e não para cima, como acontece em A, e então eu temia passar do lugar e me perder na imensidão sombria do Ipiranga. Escolhi um ponto que me pareceu razoável (e era, mesmo) e pulei. Eu e mais ninguém.
Achei que o mundo havia se perdido em alguma calamidade temporal: não tinha mais ninguém na rua, nenhum movimento, nada. Todas as lojas estavam fechadas e de luzes apagadas. Naquele silêncio, minha cabeça se enchia de pensamentos, todos eles terríveis, presságios horríveis e projeções pavorosas do que me poderia acontecer ali, sozinho, naquela rua abandonada por Deus. Parecia um cenário de um filme de suspense.
Andei e ouvi o barulho dos meus passos e achei que aquele lugar era horrível e mal e que eu dificilmente sobreviveria ali por muito tempo. Andei mais rápido. Contabilizei meu patrimônio: um livro, um tablet, um celular. Meus sapatos quase novos. Minha vida, minha virgindade anal. Todo ele em risco, pensei. Andei mais rápido.
As ruas abaixo de casa são escuras e íngrimes. Andei sozinho por umas quatro ou cinco quadras, virei na rua de casa, toquei involuntariamente no meu bolso, checando o celular. Eu ainda contava os passos quando atravessei a rua, estendi a mão para o portão. Contava os segundos enquanto esperava que o porteiro destravasse a porta. Finalmente, com imenso alívio, e certamente por um golpe de sorte, cheguei em casa inteiro e são e, por que não dizer?, salvo.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

O amor nos tempos de cólera

Vou dar like em todos os seus posts
compartilhar todos os seus links
responder a todas as mensagens no whatsapp
até você me amar