segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Ele sentia a mão suar,

ele sentia as pernas bambearem enquanto esperava, sentado na sala vazia. Havia cinco canetas (três azuis, uma preta e uma vermelha), uma lapiseira com a logomarca da empresa, uma borracha usada até a metade, três clipes (um dos quais, torto), um grampeador industrial, dois blocos de post-it e um caderno velho espalhados sobre a mesa. Havia cento e quarenta e três formas de ligar todos esses objetos utilizando-se de menos de dez linhas retas, cinquenta e oito figuras geométricas podiam ser formadas usando-os como vértices e Fernando tinha quase certeza de que uma delas era praticamente um octágono regular.
Além disso, havia o computador (com manchas pretas sobre o plástico branco, uma das quais lembrando uma visão em perfil do Getúlio Vargas), a cadeira do outro lado da mesa, a pequena palmeira com quatro folhas bem abertas (quase o mesmo tom de verde da borracha meio-usada), uma réplica de algum quadro de Miró em uma moldura preta de extremo mal gosto, e uma plaquinha com o nome do chefe colocada sobre a porta.
Que abriu.
Ah, oi, espero que não tenha esperado muito, disse o chefe do nome na plaquinha e Fernando não se importaria em esperar mais um dia ou dois, mais a vida inteira. Agora, tinha que falar. Vinte e cinco anos. Completados naquele dia. Bodas de prata com a empresa e só agora ele se sentava na cadeira em frente ao chefe com as mãos suando e as pernas bambeando e a cabeça contando coisas, calculando contas, criando catetos e – eu estou me demitindo, ele disse de uma vez e o resto da conversa foi o chefe quem levou.
No começo, ele gostava, mesmo, ou achava que gostava do que fazia na empresa e agora já não saberia dizer quanto tempo fazia que estava ali só por medo de dizer tchau. E bênção.
No fim, não foi tão difícil e ele aproveitou o ensejo para dizer ao colega com quem dividia a sala que também nunca mais voltaria ao clube de leitura aos sábados, que também disso se demitia. Enquanto se divertia com os olhares perplexos de todos, ajeitou as últimas coisas que tinha sobre a mesa, colocando-as na mochila e desceu pelo elevador e saiu pela porta da frente e entrou no estacionamento do outro lado da rua pela última vez. Pela primeira vez em anos quis colocar alto o volume do rádio e abriu a janela porque quis sentir o vento.
Antes de chegar em casa, ainda passou no clube e na academia e no curso de italiano e cancelou sua matrícula em todos esses lugares. Mesmo assim, ainda eram cinco horas da tarde quando chegou em casa e ele não podia aguentar de ansiedade para dizer a sua esposa, de forma que teve que dirigir até o escritório dela no centro e foi lá mesmo que terminou o casamento. De lá, dirigiu sabe lá Deus para onde, e os boatos de que teria se matado só terminaram quando um conhecido o fotografou sem querer durante uma viagem às Bahamas.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Ela não tinha asas,

não, ela não tinha. Ela usava os cabelos curtos e às vezes, só de brincadeira, saía vestida que nem menino e enganava bem. Ela não era linda, mas ele se apaixonou assim que a viu, ou assim que ela disse bem baixinho que faria qualquer coisa por ele, qualquer coisa que ele pedisse.

Também não era que sua saia fosse curta, era mais a forma como ela andava e as curvas menos se viam que se adivinhavam. Ele ficou parado enquanto ela vinha e lhe sussurrava no ouvido e lhe puxava a gola da camisa.

Ele levaria vinte e cinco anos para entender o que havia acontecido, mas em só cinco minutos já tinha desistido de tentar.

domingo, 6 de setembro de 2009

Eu tinha vinte e sete anos

quando conheci Douglas em uma reunião da minha empresa com alguns clientes. Ele era mais novo e gostava de música clássica e enfiou a mão dentro da minha saia enquanto acariciava minhas coxas no restaurante japonês.
Passamos vinte e dois dias perfeitos naquele julho, e foi num sábado que marcamos um churrasco no térreo do prédio dele. Eu estava falando com umas amigas sobre qualquer coisa, mas fui buscar uma caipirinha e ouvi ele comentar sobre política com uns colegas de trabalho. Foi quando eu descobri que ele votava no Partido Amarelo.
Durante dezenove anos, nós ficamos juntos – eu sempre tentando evitar assuntos relacionados à política quando estava com ele. Uma hora, simplesmente não deu mais.