Júlio Marins, atualmente com trinta e quatro anos, não tem um labrador nem um grande aquário marinho em seu apartamento duplex. Sequer tem um apartamento duplex. Em qualquer projeção que já fizera em toda a sua vida, mesmo naquelas feitas na véspera de seu último aniversário, Júlio sempre se vira aos trinta e quatro anos em um duplex, com um labrador e um grande aquário marinho com as mais escabrosas espécies de crustáceos e moluscos que pudesse encontrar.
Durante sua infância, Júlio notou um fenômeno metereológico até o momento inexplicado pela ciência mas que o perseguiu desde então: todos os seus bons desempenhos em avaliações eram precedidos por pequenas catástrofes climáticas, que envolveram ventanias mais ou menos controláveis e tempestades de verão, chegando ao Furacão Catarina, na data de divulgação de sua última nota antes da formatura em uma faculdade particular de Santa Catarina e culminando nas enchentes de 2008, ano em que concluiu seu mestrado em Comunicações. No campo profissional, sua sorte não era muito melhor e Júlio, já treinado para observar essas coincidências, rapidamente reparou que todas as bonificações, promoções e aumentos recebidos em seus dias como redator de uma revista de entretenimento corresponderam à morte de um grande ídolo ou de algum familiar — o que, em parte, explica sua atual atuação como free-lancer, bem como a ausência de um duplex, um labrador e um aquário em sua vida.
Sua maior sina, no entanto, são os assuntos do coração. Cada uma das mulheres que Júlio amou conseguiram, de alguma forma, machucar-lhe de uma forma que o fazia sentir-se destruído, torturado, assassinado.
Nada disso, porém, o desanima.
"Vá lá que para cada passo à frente, dou também um para trás", diz. "Mas nunca parei de dançar".
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
terça-feira, 4 de outubro de 2011
Fim: Justiça em dois atos
Samuel Matias conseguiu, graças ao oportuno alerta de Najibah, esquivar-se de Park, quando este o atacou. Um tiro na têmpora fez o serviço, mas Samuel achou por bem disparar trinta e nove outras vezes para assegurar a morte do homem.Do fim do corredor, onde a luz fraca tremulava, ouviu-se a movimentação de centenas de milhares de homens.
Vamos!, gritou Samuel.
Najibah ainda não havia se adequado inteiramente à recente adição de um toco de madeira a seu corpo, mas correu como se tivesse três pernas,ao invés de apenas uma (o que significa que não corria tão bem quanto alguém que tivesse apenas duas). Deslizando ao fazer curvas pelo corredor outrora retilínio, ela manteve-se o tempo todo ao lado de Samuel, mesmo quando as balas zuniam a centímetros de seus corpos. Só muito depois é que notariam que estavam de mãos dadas.
Muito depois, depois de terem notado que estavam de mãos dadas, e depois inclusive de terem desdado as mãos, Samuel e Najibah se encontraram enfim em segurança, diante de uma fogueira nas montanhas áridas norte-coreanas.
O que faremos agora?, perguntou Samuel, que comia marshmallows. Como espeto, ele usava uma lasca da perna de pau de Najibah.
Najibah girava em suas mãos a pequena estatueta, a Spirit of Ecstasy, que de alguma forma ela continuara a chutar mesmo enquanto corria desesperadamente dos tiros.
Vamos para casa.
A sua casa? Ou a minha? E neste caso, você quer dizer o avião ou o Brasil? Porque eu bem que gostaria de um clima tropical...
A minha casa.
Você se refere àquela que eu carbonizei com chumbo quente?
Sim. Não, não, me refiro a Brunei!
Na medida em que era possível não guardar rancores de alguém que havia incendiado sua cidade, assassinado seus conhecidos e parentes e causado a amputação de sua perna, Najibah não guardava rancores de Samuel. Não agora, após tanto tempo e quando sua presença quente era a única que a afastava do frio do inverno coreano...
Você vem comigo?, ela perguntou, escondendo a ansiedade de sua voz na mensagem de que ele agora possuía uma escolha.
Samuel comeu um marshmallow demoradamente, com o olhar perdido.
É claro, ele disse. É claro que eu vou.
Em 1998, era comum a visitantes encontrar o sultão Hassanal Bolkiah debruçado sobre um automóvel em sua luxuosa garagem. Agora, porém, ele não se debruçava para esfregar alguma imperfeição da lavagem ou para admirar seu próprio reflexo, mas para manter-se o mais longe possível da faca que Najibah lhe pressionava contra a garganta.
Kim Jong-Il gosta de cinema, ela disse.
Samuel concordou com a cabeça, de forma encorajadora, mas o sultão não parecia entender a importância de tal fato ou sua relação com a proximidade daquela lâmina.
Ele nunca mandaria Samuel voar da Índia para Peshawar, ela explicou, porque ele saberia que isso seria uma repetição da trama de Horizonte Perdido. Ele saberia que o avião haveria de cair.
Mesmo o avião não tendo caído, disse Samuel, prestativo.
B-bom para ele, balbuciou o sultão.
Você, por outro lado, não gosta de cinema, Najibah continuou. Por outro lado (nessa hora, ela sacou a estatueta de metal), gosta da Rolls Royce, não?
Chutando Hassanal para o lado, ela encaixou a estatueta no buraco em cima do capô do automóvel. De repente, Samuel entendeu tudo.
Isso tudo foi um plano do sultão!, ele bradou. Ele me contratou, passando-se por Kim Jong-Il e aproveitando-se da minha incapacidade crônica de diferenciar qualquer um que não seja caucasiano, para atacar vilarejos da região. A intenção era atrair a atenção da mídia para tais atrocidades, o que levaria milionários do mundo todo, inclusive o Bill Gates, a realizar generosas doações às vítimas. Hassanal Bolkiah, assim, consolidar-se-ia mais uma vez como o homem mais rico do mundo. Era o plano perfeito.
Dizendo isso, Samuel rapidamente tomou a faca de Najibah. Em um único golpe, arrancou a cabeça do sultão, abriu sua barriga, introduziu a cabeça lá e costurou tudo de novo.
Ele estendeu a mão para Najibah.
Vamos para casa, disse, puxando-a.
Como todo casal que se encontra em meio a uma perseguição repleta de assassinatos, Samuel e Najibah tiveram suas dúvidas e suas brigas, mas resolveram-nas com uma viagem à praia.
Em Ubatuba, ambos recostavam-se à sombra de um chapéu de sol, enquanto as costas ardiam na areia quente. Najibah inclinou-se para o lado, fitando por baixo do chapéu de abas largas o rosto de Samuel.
Era isso o que você queria?, perguntou.
Isso e nada mais.
Então, está pronto?
Samuel virou-se para ela, sério, e pegou-lhe as mãos.
Najibah, ele disse, eu estou pronto para dar-lhe meu amor irrestrito. Você é dona do meu coração.
Poucos jornais noticiaram o caso. O paradeiro de Najibah é desconhecido.
Vamos!, gritou Samuel.
Najibah ainda não havia se adequado inteiramente à recente adição de um toco de madeira a seu corpo, mas correu como se tivesse três pernas,ao invés de apenas uma (o que significa que não corria tão bem quanto alguém que tivesse apenas duas). Deslizando ao fazer curvas pelo corredor outrora retilínio, ela manteve-se o tempo todo ao lado de Samuel, mesmo quando as balas zuniam a centímetros de seus corpos. Só muito depois é que notariam que estavam de mãos dadas.
Muito depois, depois de terem notado que estavam de mãos dadas, e depois inclusive de terem desdado as mãos, Samuel e Najibah se encontraram enfim em segurança, diante de uma fogueira nas montanhas áridas norte-coreanas.
O que faremos agora?, perguntou Samuel, que comia marshmallows. Como espeto, ele usava uma lasca da perna de pau de Najibah.
Najibah girava em suas mãos a pequena estatueta, a Spirit of Ecstasy, que de alguma forma ela continuara a chutar mesmo enquanto corria desesperadamente dos tiros.
Vamos para casa.
A sua casa? Ou a minha? E neste caso, você quer dizer o avião ou o Brasil? Porque eu bem que gostaria de um clima tropical...
A minha casa.
Você se refere àquela que eu carbonizei com chumbo quente?
Sim. Não, não, me refiro a Brunei!
Na medida em que era possível não guardar rancores de alguém que havia incendiado sua cidade, assassinado seus conhecidos e parentes e causado a amputação de sua perna, Najibah não guardava rancores de Samuel. Não agora, após tanto tempo e quando sua presença quente era a única que a afastava do frio do inverno coreano...
Você vem comigo?, ela perguntou, escondendo a ansiedade de sua voz na mensagem de que ele agora possuía uma escolha.
Samuel comeu um marshmallow demoradamente, com o olhar perdido.
É claro, ele disse. É claro que eu vou.
Em 1998, era comum a visitantes encontrar o sultão Hassanal Bolkiah debruçado sobre um automóvel em sua luxuosa garagem. Agora, porém, ele não se debruçava para esfregar alguma imperfeição da lavagem ou para admirar seu próprio reflexo, mas para manter-se o mais longe possível da faca que Najibah lhe pressionava contra a garganta.
Kim Jong-Il gosta de cinema, ela disse.
Samuel concordou com a cabeça, de forma encorajadora, mas o sultão não parecia entender a importância de tal fato ou sua relação com a proximidade daquela lâmina.
Ele nunca mandaria Samuel voar da Índia para Peshawar, ela explicou, porque ele saberia que isso seria uma repetição da trama de Horizonte Perdido. Ele saberia que o avião haveria de cair.
Mesmo o avião não tendo caído, disse Samuel, prestativo.
B-bom para ele, balbuciou o sultão.
Você, por outro lado, não gosta de cinema, Najibah continuou. Por outro lado (nessa hora, ela sacou a estatueta de metal), gosta da Rolls Royce, não?
Chutando Hassanal para o lado, ela encaixou a estatueta no buraco em cima do capô do automóvel. De repente, Samuel entendeu tudo.
Isso tudo foi um plano do sultão!, ele bradou. Ele me contratou, passando-se por Kim Jong-Il e aproveitando-se da minha incapacidade crônica de diferenciar qualquer um que não seja caucasiano, para atacar vilarejos da região. A intenção era atrair a atenção da mídia para tais atrocidades, o que levaria milionários do mundo todo, inclusive o Bill Gates, a realizar generosas doações às vítimas. Hassanal Bolkiah, assim, consolidar-se-ia mais uma vez como o homem mais rico do mundo. Era o plano perfeito.
Dizendo isso, Samuel rapidamente tomou a faca de Najibah. Em um único golpe, arrancou a cabeça do sultão, abriu sua barriga, introduziu a cabeça lá e costurou tudo de novo.
Ele estendeu a mão para Najibah.
Vamos para casa, disse, puxando-a.
Como todo casal que se encontra em meio a uma perseguição repleta de assassinatos, Samuel e Najibah tiveram suas dúvidas e suas brigas, mas resolveram-nas com uma viagem à praia.
Em Ubatuba, ambos recostavam-se à sombra de um chapéu de sol, enquanto as costas ardiam na areia quente. Najibah inclinou-se para o lado, fitando por baixo do chapéu de abas largas o rosto de Samuel.
Era isso o que você queria?, perguntou.
Isso e nada mais.
Então, está pronto?
Samuel virou-se para ela, sério, e pegou-lhe as mãos.
Najibah, ele disse, eu estou pronto para dar-lhe meu amor irrestrito. Você é dona do meu coração.
Poucos jornais noticiaram o caso. O paradeiro de Najibah é desconhecido.
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