Futebol é só futebol. No fim, é isso. Escrevo logo depois de o Brasil tomar 7 da Alemanha, uma derrota inédita na história da Seleção e na minha, o país ainda humilhado e atordoado, e afirmo sem medo de errar que é futebol, só, e nada mais.
Me disseram isso antes da Copa: me falaram sobre a ilusão de um povo, sobre as mentiras dos poderosos, sobre o nacionalismo errado, mentiroso, hipócrita. Me disseram que fazer ou tomar 7, numa semi-final de Copa do Mundo ou na quadra do prédio --- me disseram que isso era nada.
Em outro assunto: eu gosto de Literatura. Eu estudo, leio, às vezes até faço, acho, Literatura. E se você gosta de Literatura, você é meio que obrigado a aceitar que o futebol, como tudo o mais no mundo, seja um pouco mais que aquilo que é. Um pouco mais que, bem, futebol.
Pra você gostar de Literatura, você tem que admitir que um mundo de fatos aleatórios e sem sentido não é suficiente. Você tem que entender que as pessoas atribuem significado às coisas não porque sejam fracas e carentes de algum tipo de conforto espiritual (não só por isso, pelo menos), mas porque a vida é triste se não for transcedental, porque a gente foi arremessado em um mundo hostil e nos foi imposto, a partir dele, construir significados.
A gente tem perdido a capacidade de fazer isso. Acho que Weber falou sobre como o mundo fazia sentido para os homens de antigamente e sobre como, conforme nosso entendimento do universo foi aumentando, as coisas fugiram da nossa capacidade de compreensão. Que ele falou sobre como as religiões se esforçavam para explicar todos os elementos da natureza e para integrá-los em um sistema uno, e sobre como isso não acontece nas grandes religiões monoteístas. Walter Benjamin, falando sobre a morte da narrativa, diz algo muito parecido. Segundo ele, a partir da Primeira Guerra Mundial, o mundo se tornou grande demais para ser compreendido de forma coerente por um único indivíduo. Tratando da substituição da tradição da narrativa pela do romance, Benjamin conclui: "Com efeito, numa narrativa a pergunta - e o que aconteceu depois? - é plenamente justificada. O romance, ao contrário, não pode dar um único passo além daquele limite em que, escrevendo na parte inferior da página a palavra fim, convida o leitor a refletir sobre o sentido de uma vida."
Mesmo assim, a gente tende a achar que as coisas são... mais do que coisas. As pessoas dizem que a organização e a civilidade alemã prevaleceram sobre a malandragem brasileira. Comparam Wagner e o Lepo Lepo, Merkel e Dilma. As pessoas falam como se o mundo amanhecerá amanhã diferente de hoje; diferente porque o Brasil foi derrotado, humilhado, massacrado em casa. Um professor uma vez sugeriu que, se a derrota em 1950 levou o Brasil a se consolidar como potência futebolística nas décadas seguintes, uma possível vitória em 2014 poderia afastar de vez nossa estigma de país do futebol. Talvez ele tenha alguma teoria para os efeitos do jogo de hoje.
Mas, no fim, é só futebol. O fato de torcermos para as colônias contra os colonizadores não vai vingá-las; torcermos a favor ou contra o Brasil não vai nos aumentar como Nação. O torcedor vitorioso não vai acordar livre dos seus problemas no dia seguinte.
É possível, evidentemente, viver sem esse tipo de... distração. Como é possível, claro, viver sem Música, sem Cinema, sem Literatura. Independentemente das teorias que criemos, a chuva cai lá fora, a entendamos ou não. Um dia, vai saber, a ciência vai explicar todos os fenômenos do mundo. Nesse dia, não precisaremos aprender nada com essa derrota.
Até lá, é preciso viver.