sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Ele é para ela como todas aquelas coisas sonhadas em noites claras, como todos aqueles devaneios nas horas das aulas ou do trabalho, ele é seu contrário perfeito e é todas as coisas que ela gostaria de ser se tivesse coragem o bastante de admitir que odiava sua vida. Ele saí à noite e bebe e usa e vive coisas que ela nem sabe direito imaginar e por isso mesmo é que imagina tão lindas. Ele beija outros meninos, mas também meninas, às vezes, ou não beija ninguém e só se encosta em algum lugar e toca gaita e dorme no parapeito do prédio.
E porque ele é tudo isso é que ela o odeia tanto e ela se sente mal por odiá-lo, porque acha que é tudo um mix de inveja com hipocrisia, quando na verdade é apenas extremamente decepcionante ver o resultado da realização de seus sonhos e perceber o quão idiota é tudo aquilo.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Eu só posso ser machista porque

Eles não querem ela lá. Eles não querem ela assim. Não que nem eles, porque... Ela é ela, não pode. Quando ela senta assim, com as pernas assim, quando ela quer uma lata a mais, quando ela quer um trago, um tiro, quando ela quer um beijo e uma mão e algo mais, eles dizem que não, eles fazem cara, eles tomam a lata e o trago e o tiro, eles beijam as outras.

E eles dizem que ela não é assim, que ela não quer assim e riem quando vão embora e se sabem heróis.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Escuro

Eu não queria fechar a janela por causa do calor, mas a chuva já começava a cair dentro do meu quarto chovia em mim. Cansado de me cansar, levantei e fui para o quintal me molhar propriamente: havia uma mureta ao lado do jardim e de lá se podia recostar na grama. Era um lugar tão perfeito para se deitar à noite acendendo um cigarro e vendo as estrelas que eu imitei a pose mesmo com as nuvens e a chuva. Ademais, eu não fumava e nem fumo. Naquele tempo, a noite podia bem ser clara ou ser de dia, importava mais era que fosse rica e esta era, então eu me juntei ao escuro (que era) e eu era uma sombra, uma pedra, algum bicho do mato.

Eu sei, ela disse de repente e meus olhos assombraram abertos. Faz tempo já que eu sei.

Antes de saber que eu havia tomado uma decisão, eu decidi não me mexer, decidi continuar ali, escuro contra escuro, só olhos e ouvido e a chuva que caía em mim. Por que ela estava ali fora? Teria fugido do calor como eu ou se assustado com alguma borboleta-barata-marimbondo em seu quarto ou precisava de tanto ar para dizer aquilo que nem a chuva a assustou? Ele, eu sabia, estava lá porque ela também estava e ele sentia medo. Dela ou de ficar longe dela.

Eu, ele disse, mas se interrompeu. É.

E então ela estava chorando e apertando os braços dele e, como eu não podia me mexer, demorei um pouco para perceber que era um abraço. Ela o xingou e disse que o odiava e já então eu adivinhava sua mão lhe roçando a barba, seus lábios tremendo em direção aos dele. Laura, laura, ele disse e ela cuspiu filho da putas e canalhas quando livrava a língua da dele, quando recuperava o fôlego do esforço de o puxar para si.

Eu queria levantar, eu queria ir embora e não ter visto nada daquilo, mas o silêncio da noite me trairia assim como os traiu e os outros dois vieram, também. Alex viu as lágrimas e os tremores de ambos e os abraçou e disse que tudo bem, calma, calma. Laura se deixou ir com ele e gustavo fez que ia, também, mas se demorou um pouco e os deixou entrar na casa enquanto ele mesmo ficava para trás junto com joana.

Seu imbecil, ela disse quando achou que os outros dois já estavam lá dentro. Seu completo imbecil, como você me faz uma merda dessas? Como você deixou ela saber? Ela batia nele e ao contrário da outra, não intercalava aos tapas beijos e quando o apertava era para afastar. Depois, respirou: você acha que ela vai falar pra ele?

Não. A certeza dele a acalmou e ela o chamou de imbecil ainda uma vez enquanto entrava. Por fim, gustavo lançou um olhar perdido (talvez para uma sombra, uma pedra, um bicho que tivesse visto no mato) e os seguiu e eu fechei os olhos de novo, escuro contra escuro, e não senti nada além da chuva no rosto.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Pequenas Verdades, 2

"Maria Luísa", ela respondeu e eu definitivamente não comentei o fato de ser o mesmo nome de uma prima. Ou então eu falei "vamos pra praia", porque em Porto Seguro as festas são assim, na areia, e a gente sentou e viu a lua no mar e falamos disso. Depois, nada mais atrapalhou, ninguém mais.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Pequenas Verdades, 1

Eu tinha quatro anos naquela vez em que fui ao shopping com meus avós. E tinha uma concha. Eu não lembro bem por quê, mas acho que isso é importante: tinha uma concha.
E o que aconteceu depois foi exatamente isto: caiu um plástico (acho que embrulhava a concha) no chão, bem perto do corrimão, e eu fui pegar, porque eu sou mesmo o tipo de cara que não deixa o plástico no chão. Aí que o corrimão me puxou e minha mão entrou no vão entre ele e o chão e eu só posso imaginar a gritaria, o atrito da borracha, meu avô se jogando no chão, as pessoas olhando sem entender etc, mas eu tenho a queimadura para me lembrar. E quando alguém me pergunta o que é isso na minha mão, eu posso contar essa história e dizer: eu não tive culpa.