quarta-feira, 14 de julho de 2010

Ela não é um personagem (12/03/09)

Ela acorda cedo, mas não é tão cedo assim. É cedo. Ela trabalha como caixa em um supermercado e é um trabalho bem chato, mas pelo menos ela não precisa pensar. Ganha mal e é mal tratada o dia todo. Também ri. Depois, sai correndo, perde o primeiro ônibus e a primeira aula na faculdade de turismo. Vai ouvindo música no celular, de pé e apertada — às vezes onde não gosta. Se é assim, ela briga mesmo e não tem vergonha de barraco. No intervalo da aula, vai à seção de alunos e explica que ainda não vai conseguir quitar a mensalidade do mês anterior, e depois aceita uma cerveja que amigos lhe pagam. Perde as duas aulas seguintes com eles e também a última, porque não saem ônibus depois das 22h30. Muda para um trem depois de cinqüenta minutos e só chega em casa depois da meia noite, quando os filhos já estão dormindo e o marido ainda está vendo TV. Ao contrário do que o discursinho ensaiado sugere, não se ressente, que é ele quem paga a faculdade. Nesse dia, que são todos, ela não janta. E dorme como um bebê.

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