Hoje, talvez pela primeira vez na vida, eu li, sim, provavelmente pela primeira vez na vida, eu li o obituário no jornal.
Tinham uns poucos nomes, menos de dez, dois deles sendo enterrados no mesmo cemitério. Tinha uma mulher de oitenta e nove anos e um cara de cinquenta e nove. Um homem que deixou irmã e sobrinhos, uma senhora viúva que deixou bisnetos. A de oitenta e nove só deixou filhos, nenhum neto. Um outro tinha o comentário: amado e incomparável.
Eu nunca, provavelmente nunca tinha lido um obituário. Eu sabia que existiam obituários, obviamente, porque existem registros de que esse tipo de coisa já existiu um dia (obituários, portanto), mas assim, ao vivo, foi a primeira vez, então eu não sabia como seria a minha reação. Pra falar a verdade, eu nem achava que eu teria uma reação.
Mas eu tive.
Eu fiquei triste. Não muito triste, não triste a ponto de chorar, mas suficientemente triste pra perceber que eu estava triste. Suficientemente triste para que essa tristeza se sobressaísse em relação à tristeza cotidiana, que é quase indistinta da alegria cotidiana, essa, por sua vez, uma coisa já meio indefinível.
Talvez eu tenha ficado um pouco triste por aquelas pessoas. Talvez especificamente pelo sujeito de cinquenta e nove anos, nem sessenta, nem nada. Ou pela octagenária sem netos, que eu imaginei decepcionada com os filhos, aqueles párias, que não legaram a ninguém a nossa miséria. Eu posso ainda, vai saber, ter ficado triste pelo outro, comentado, que foi amado e incomparável, mas agora vai à vala como todo mundo.
Ou então eu fiquei triste pelo obituário, ele mesmo moribundo; pelo jornal de sina incerta, tendo que se reinventar como pode entre outras tecnologias, pra adiar o inevitável.
Ou vai ver que era uma tristeza de mim, mesmo, finito como os mortos que eu lia no cadáver de um obituário, no cadáver de um jornal, no cadáver da minha sala de estar.
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