Não, não, é só o meu estômago.
Eu tinha ligado para o Artur naquela noite, mas ele ia sair, não sei com quem. Eu liguei pra outras pessoas, também e ele que saia com quem ele quiser, mas ninguém mais estava na cidade porque era feriado, então eu pedi uma pizza de calabresa e comi no sofá enquanto assistia a um filme dublado na TV. Eu comi quatro pedaços, o que é muito mais do que eu jamais vou deixar alguém saber que eu aguento, e deixei cair calabresa no sofá, mas deitei em cima, mesmo, e deixei o resto da pizza no chão pra comer depois. Não era nem meia noite e eu já tava dormindo.
Aí ele me acordou; ele ligou no meu celular e eram três e meia e só pelo jeito que ele disse alô, eu entendi (eu sempre entendo). Eu disse vem cá e desliguei o telefone e xinguei ele por vinte e cinco minutos até a campainha tocar. Ele que saia com quem ele quiser, mesmo, mas o filho da puta arruma as vadias dele e termina a noite sozinho e fica todo inseguro e deprimido. Aí ele me liga e eu digo vem cá e xingo ele por vinte e cinco minutos, às vezes mais, às vezes menos, eu xingo ele até a campainha tocar.
Você quer pizza, eu perguntei, e ele fez que sim e sentou e comeu tudo o que tinha sobrado, acabando com minhas perspectivas de ter um café da manhã decente. Aí ele limpou a boca na manga e não disse nada e enfiou a mão por baixo da minha blusa e me comeu no sofá sem tirar a roupa e foi embora. Eu fiquei ali, mesmo, e só depois de acordar é que eu me limpei.
Na verdade, eu nem sei por quê eu te conto isso. Acho que é só porque eu tenho alguma coisa pra contar. Eu sei que você acha que é um desabafo, assim como você achou que eu sentia culpa ou o caralho, mas não é.
Eu sei que tem essas minas, que nem essas ricaças que a gente lê, que pagam cinco mil numa calça, dez mil num vestido, e aí vão pra casa de outras ricaças e ninguém tem mais que dezessete anos, mas todo mundo tem o bolso cheio de dinheiro do papai. Aí eles tomam vinho ou sei lá o quê e os meninos misturam êxtase na bebida das meninas, mas é claro que elas sabem. E eles cheiram pó, também, e fumam maconha e, porra, é claro que não é isso que eu to recriminando, porque puta que o pariu, Deus sabe que eu gosto dessas coisas. Que nem no outro dia, que eu fui na casa dos meninos, do Tomás, do Fábio e do Bernardo, e naquela época eu só tinha dado pro Tomás e pro Bernardo, e o Fábio tava louco pra me comer, mas eu tava fazendo doce porque não queria virar a putinha da casa, sabe? Aí eu tava lá e o Fábio vai no quarto e volta com muito, muito pó. Ele bota uma música, abaixa a calça e arma uma carreira em cima do pau duro pra eu cheirar. Cara, que loucura, minha boceta ficou até anestesiada, naquela noite, por causa da cocaína. Depois dali não teve jeito que eu já tinha passado por todos da casa, mas quando alguém chega com o pau cheio de pó, o que você vai fazer?
E as meninas, eu tava falando das meninas. As ricaças. Elas cheiram pó, também, e tomam bebidas batizadas e dão pra todos os amigos ricaços delas e acordam com os vestidos de dez paus cheios de porra que nem sabem de quem é. Isso não tá certo, saca? Dá pra entender a diferença? Não é dar o problema, nem dar pra dois, três, dez na mesma noite, se for o caso. Mas tem que ter... entende? Tem que ter critério. Eu dou porque eu to por cima (sem trocadilho), porque sou eu quem tá mandando ali. O Artur mesmo, ele é um bosta! Ele sabe que ele precisa de mim e é por isso que ele volta, sabe? É por isso que ele volta.
Porra se eu acredito nisso! Eu sei que você acha que eu me deixo usar, ou coisa do tipo. Que eu sou uma puta de merda. Não, não, eu sei. Mas quer saber, cara? Foda-se. Foda-se, mesmo. Eu sei que eu não tenho nenhum problema, que eu não sou só um pedaço de carne pra eles. Qual o problema em curtir um pouco?
E eu nem era sempre assim, se você quer saber. Quando eu resolvi vir pra São Paulo... Puts. Na verdade – e puta merda, você não ia acreditar –, tinha esse cara em Jarinu, o Renato, e ele era tipo meu melhor amigo, tipo essas coisas que a gente vê em filme e pensa puta que o pariu, isso nunca ia acontecer. A gente era amigo desde sei lá, uns cinco ou seis anos. Desde pirra. Mas amigo daqueles que acordam e já se encontram e não desgrudam até a hora de dormir, sabe? Amigo daqueles que brigam toda semana e choram a noite toda e no dia seguinte se encontram todo tímidos só pra ser amigo de novo. Amigo tipo amigo, mesmo.
Quando a gente tinha uns dezesseis, dezessete anos – e a gente nunca tinha namorado, porque acho que as coisas eram diferentes, ou só a gente é que era (e a cidade era pequena, também. Foda.) – aí ele corria atrás de mim na rua e eu fugia rindo e trombava com os pedestres. Ele vinha atrás querendo me pegar mas sem querer de verdade, e a gente dava voltas em pontos de ônibus até que ele me alcançava e me empurrava na grama e a gente se rolava no chão. Eu ria o tempo todo, quando estava com ele, e eu acho que realmente gostava dele. Talvez a gente se amasse, sei lá.
Eu sei que noutro dia (mas isso foi depois, eu já devia ter uns dezoito, foi logo antes de eu me mudar), noutro dia a gente foi na casa dele ver uns filmes e eu queria muito, sabe? Eu tinha dezoito anos e tava começando a me ligar, então eu queria mesmo. Mas a gente assistiu aos três Star Wars em sequência e tomamos muita, cara, muita vodka, mesmo. Ele tava malzão, sim, mas ele virou pra mim e me puxou com força e aquilo foi ruim demais. Eu deixei ele ser egoísta, sim. Eu deixei ele me segurar os braços, forçar minha boca, eu deixei ele tirar a minha roupa naquela noite e é capaz até que ele tenha gostado, mas quando eu fui pra casa dele eu queria muito, e aí ele estragou tudo, meu, ele estragou tudo.
Eu tinha ligado para o Artur naquela noite, mas ele ia sair, não sei com quem. Eu liguei pra outras pessoas, também e ele que saia com quem ele quiser, mas ninguém mais estava na cidade porque era feriado, então eu pedi uma pizza de calabresa e comi no sofá enquanto assistia a um filme dublado na TV. Eu comi quatro pedaços, o que é muito mais do que eu jamais vou deixar alguém saber que eu aguento, e deixei cair calabresa no sofá, mas deitei em cima, mesmo, e deixei o resto da pizza no chão pra comer depois. Não era nem meia noite e eu já tava dormindo.
Aí ele me acordou; ele ligou no meu celular e eram três e meia e só pelo jeito que ele disse alô, eu entendi (eu sempre entendo). Eu disse vem cá e desliguei o telefone e xinguei ele por vinte e cinco minutos até a campainha tocar. Ele que saia com quem ele quiser, mesmo, mas o filho da puta arruma as vadias dele e termina a noite sozinho e fica todo inseguro e deprimido. Aí ele me liga e eu digo vem cá e xingo ele por vinte e cinco minutos, às vezes mais, às vezes menos, eu xingo ele até a campainha tocar.
Você quer pizza, eu perguntei, e ele fez que sim e sentou e comeu tudo o que tinha sobrado, acabando com minhas perspectivas de ter um café da manhã decente. Aí ele limpou a boca na manga e não disse nada e enfiou a mão por baixo da minha blusa e me comeu no sofá sem tirar a roupa e foi embora. Eu fiquei ali, mesmo, e só depois de acordar é que eu me limpei.
Na verdade, eu nem sei por quê eu te conto isso. Acho que é só porque eu tenho alguma coisa pra contar. Eu sei que você acha que é um desabafo, assim como você achou que eu sentia culpa ou o caralho, mas não é.
Eu sei que tem essas minas, que nem essas ricaças que a gente lê, que pagam cinco mil numa calça, dez mil num vestido, e aí vão pra casa de outras ricaças e ninguém tem mais que dezessete anos, mas todo mundo tem o bolso cheio de dinheiro do papai. Aí eles tomam vinho ou sei lá o quê e os meninos misturam êxtase na bebida das meninas, mas é claro que elas sabem. E eles cheiram pó, também, e fumam maconha e, porra, é claro que não é isso que eu to recriminando, porque puta que o pariu, Deus sabe que eu gosto dessas coisas. Que nem no outro dia, que eu fui na casa dos meninos, do Tomás, do Fábio e do Bernardo, e naquela época eu só tinha dado pro Tomás e pro Bernardo, e o Fábio tava louco pra me comer, mas eu tava fazendo doce porque não queria virar a putinha da casa, sabe? Aí eu tava lá e o Fábio vai no quarto e volta com muito, muito pó. Ele bota uma música, abaixa a calça e arma uma carreira em cima do pau duro pra eu cheirar. Cara, que loucura, minha boceta ficou até anestesiada, naquela noite, por causa da cocaína. Depois dali não teve jeito que eu já tinha passado por todos da casa, mas quando alguém chega com o pau cheio de pó, o que você vai fazer?
E as meninas, eu tava falando das meninas. As ricaças. Elas cheiram pó, também, e tomam bebidas batizadas e dão pra todos os amigos ricaços delas e acordam com os vestidos de dez paus cheios de porra que nem sabem de quem é. Isso não tá certo, saca? Dá pra entender a diferença? Não é dar o problema, nem dar pra dois, três, dez na mesma noite, se for o caso. Mas tem que ter... entende? Tem que ter critério. Eu dou porque eu to por cima (sem trocadilho), porque sou eu quem tá mandando ali. O Artur mesmo, ele é um bosta! Ele sabe que ele precisa de mim e é por isso que ele volta, sabe? É por isso que ele volta.
Porra se eu acredito nisso! Eu sei que você acha que eu me deixo usar, ou coisa do tipo. Que eu sou uma puta de merda. Não, não, eu sei. Mas quer saber, cara? Foda-se. Foda-se, mesmo. Eu sei que eu não tenho nenhum problema, que eu não sou só um pedaço de carne pra eles. Qual o problema em curtir um pouco?
E eu nem era sempre assim, se você quer saber. Quando eu resolvi vir pra São Paulo... Puts. Na verdade – e puta merda, você não ia acreditar –, tinha esse cara em Jarinu, o Renato, e ele era tipo meu melhor amigo, tipo essas coisas que a gente vê em filme e pensa puta que o pariu, isso nunca ia acontecer. A gente era amigo desde sei lá, uns cinco ou seis anos. Desde pirra. Mas amigo daqueles que acordam e já se encontram e não desgrudam até a hora de dormir, sabe? Amigo daqueles que brigam toda semana e choram a noite toda e no dia seguinte se encontram todo tímidos só pra ser amigo de novo. Amigo tipo amigo, mesmo.
Quando a gente tinha uns dezesseis, dezessete anos – e a gente nunca tinha namorado, porque acho que as coisas eram diferentes, ou só a gente é que era (e a cidade era pequena, também. Foda.) – aí ele corria atrás de mim na rua e eu fugia rindo e trombava com os pedestres. Ele vinha atrás querendo me pegar mas sem querer de verdade, e a gente dava voltas em pontos de ônibus até que ele me alcançava e me empurrava na grama e a gente se rolava no chão. Eu ria o tempo todo, quando estava com ele, e eu acho que realmente gostava dele. Talvez a gente se amasse, sei lá.
Eu sei que noutro dia (mas isso foi depois, eu já devia ter uns dezoito, foi logo antes de eu me mudar), noutro dia a gente foi na casa dele ver uns filmes e eu queria muito, sabe? Eu tinha dezoito anos e tava começando a me ligar, então eu queria mesmo. Mas a gente assistiu aos três Star Wars em sequência e tomamos muita, cara, muita vodka, mesmo. Ele tava malzão, sim, mas ele virou pra mim e me puxou com força e aquilo foi ruim demais. Eu deixei ele ser egoísta, sim. Eu deixei ele me segurar os braços, forçar minha boca, eu deixei ele tirar a minha roupa naquela noite e é capaz até que ele tenha gostado, mas quando eu fui pra casa dele eu queria muito, e aí ele estragou tudo, meu, ele estragou tudo.
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