sábado, 9 de fevereiro de 2008

Parte III – Amor real, paixão virtual

Naquele dia, apesar da ansiedade, não teve pressa em sair do trabalho. Voltou para casa tarde, fingiu-se de cansado, falou pouco durante o jantar. Escondeu a pasta do trabalho logo que terminou a refeição, sentindo um medo irracional de que sua mulher pudesse revistá-la, encontrando o caderno com as conversas; depois, sentou-se para ver TV e esperar o tempo passar.

Talvez percebendo alguma mudança no relacionamento, porém, a esposa apresentou-se convidativa, sensual. Sentou-se próxima a ele vestindo uma camisola que ele apreciava, e que em outros tempos teria chamado sua atenção imediatamente. Nesse dia, ele não parecia muito interessado, mas acabou cedendo. Levou-a para o quarto e a possuiu pensando na outra, esperou que ela chegasse ao clímax, mas, quando foi sua vez, sentiu-se abatido e culpado.

Por fim, quando ela beijou-lhe a face e perguntou-lhe como havia sido, ele quis chorar. No entanto, apenas respondeu que Foi bom, e pra você?, mas não prestou atenção na resposta. Fechou os olhos e viu o rosto de Laura a condenar-lhe. Depois, odiou-se e culpou a esposa por seu ódio. Culpava-a por amá-lo em uma situação como aquela, por ser incapaz de ver que as coisas não poderiam estar certas. Que seja, pensou, em breve estarei no computador a dedicar-me a uma paixão que valha a pena.


Mais tarde, após terem se banhado separadamente, a esposa deitou-se e chamou Heitor para acompanhá-la. Ele disse que não, que havia algo que precisava fazer, mas que em breve haveria de deitar-se. Foi, então, para o computador, conforme vinha fazendo desde aquele dia — o dia do show.

Naquela ocasião, duas semanas antes, ele criou um perfil novo em um site de relacionamento (porque, obviamente, não queria que suas conversas com Laura se misturassem com as com a esposa), encontrara o perfil da antiga amiga no mesmo site, descobrira seu e-mail atual e outros dados úteis, como o fato de estar solteira. Mandou a ela uma mensagem através do tal site, na qual dizia que sentia saudades, que encontrara fotos antigas, que era uma pena terem perdido contato.

Achou que seria só isso por aquela noite, mas surpreendentemente, a moça estava online e respondeu quase imediatamente. Não foi uma resposta calorosa, mas a conversa logo encaminhou-se, cheia de seus Por onde anda?, Que tem feito? e similares. Por fim, surgiu o convite pelo qual Heitor esperava, e ele ficou feliz ao perceber que não fora ele quem fez a proposta. Foi, de fato, a moça quem sugeriu que eles se utilizassem de um programa de bate-papo — um Messenger — para poderem falar-se melhor.

Durante todo o tempo, um calafrio percorria a sua espinha, conforme mentia descaradamente para a amiga. Disse que era solteiro, que estava na Internet porque uns amigos cancelaram — de última hora — uma partida de futebol, que seu perfil no site de relacionamento estava vazio porque acabara de ser criado (o que não é de todo falso, pensou). O calafrio, porém, não vinha de suas mentiras a Laura, mas da grande mentira à esposa. Era um calafrio delicioso.

Os dias se passaram e a sensação foi se tornando cada vez mais fraca — visto que o medo diminuía —, mas não menos prazerosa. As conversas se tornavam mais interessantes conforme a intimidade ia crescendo, e Heitor cuidava para que os sentimentos outrora partilhados pelos dois — sentimentos de paixão, não de amor — viessem à tona recorrentemente. O segredo era não parecer insistente demais, mas ao mesmo tempo não deixar o assunto morrer.

Por fim, conforme o fim da segunda semana ia se aproximando, como ele teve o prazer de perceber, Laura também já contava as horas para os encontros noturnos, em que diálogos cada vez mais acalorados eram travados. Só seria preciso mais um empurrãozinho para que um encontro fosse marcado.

E agora Heitor tinha no caderno com as conversas uma arma secreta.

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