domingo, 24 de fevereiro de 2008

Paulista

Ele veio andando pela avenida, todo chique e elegante, jeitoso, mesmo, mas dava para perceber que estava completamente embriagado. Só que não era por causa da bebida, não, porque ele estava tomando uma limonada e eu posso jurar por Deus que não tinha uma gota de álcool lá, porque, Jesus, eu saberia. Mas o jeito que ele olhava para tudo, e veio e se sentou no chão ao meu lado — e eu não vou mentir, não: estou já é bem velha e acabada e nos meus trapos e ele, naquelas roupas finas, sentando do meu lado! —, era claro que ele estava bêbado.

Primeiro, ele ficou quieto, mas eu percebia que ele me olhava de canto de olho. A gente, mulher, percebe, sabe? Ele olhava, assim, mas disfarçava. E eu já estava me incomodando, porque quem ele pensava que era para sentar ali, no meu canto e ficar, só, sem fazer nada, me olhando de canto de olho?

Mas aí passou o negão, e ele costumava esmolar por aqueles cantos, também, porque eu já tinha visto ele por ali várias vezes. Passou e olhou pro patrão do meu lado e pediu qualquer coisa, mas o patrão não deu nada, só levantou a mão assim, como por instinto. Depois, quando o negão já tinha ido embora, ele murmurou algo como puto miserável, sujo de merda e no começo eu me confundi, porque pensei que ele estava falando do negão.

Mas aí, meio que pra compensar, mas também um pouco para provar que eu tava errada, ele virou pra mim e estava rindo assim, bem esquisito. Aí ele apontou para os prédios e falou nossa nossa nossa, e não parecia que era ele, o patrão fino de roupa chique que tava falando. Porque eu esperaria que ele falasse assim:

—Nossa, nossa, nossa!

...mas ele falou nossa nossa nossa, mesmo. Aí ele estava falando comigo, então eu fiquei olhando enquanto ele apontava para os prédios e falava você tá na maior avenida da maior cidade do maior país da América Latina, cada prédio desses é uma peça de um motor de um carro que é um continente, e aqui estão os teatros e cinemas e cada banca dessas que tem mais livros bons do que muita biblioteca, e falou mais um monte de coisa sobre poesia e sobre a vida noturna, ou seja lá o que for.

E como ele falava sem parar, eu ficava olhando assim, e rindo porque no fundo ele tava falando muita coisa boa, mas não boa pra mim. Bom mesmo foi que ele levantou e me deu cinco reais e até agora eu não entendi nada do que aconteceu, mas guardei o dinheiro bem, no bolso, enquanto ele saía andando, rindo e ainda mais bêbado.

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