Durante todo o percurso, Heitor não se perguntara porque havia ido de metrô. Antes, ele achara que pensaria nisso, e mesmo agora enquanto saía da estação camuflado pela multidão, o assunto vinha à sua mente, mas durante o percurso, somente pensava no calafrio que lhe subia pela espinha.
Talvez por pensar nisso, talvez por não estar acostumado à região, saiu andando para a direção errada. Imediatamente, percebeu o erro, mas por alguma razão, não quis reconhecê-lo diante dos outros, em uma vergonha que talvez não existiria em outro dia qualquer. Sabendo que estava naquela estação por um motivo obscuro, não quis admitir outra falha — esta em sua orientação, aquela em seu caráter — diante de todos.
Assim, andou ainda alguns passos na direção contrária à pretendida, xingando-se a cada passo, sabendo que cada metro andado apenas tornaria mais longo seu caminho na volta. Por alguma razão, os xingamentos a tal atitude lhe vieram à cabeça de forma um tanto erudita, em contradição a seus pensamentos normalmente chulos.
—Que figura idiota, andando para o lado errado, andando na contra-mão de seus interesses! Que pessoa estúpida, ridícula, embaraçosa; que criatura desprezível e vil; que ser repugnante, que anda na contra-mão da moralidade, e ainda o faz de maneira tão impensada! Que cede aos impulsos, que se deixa levar pelos instintos! Sujo, sujo, sujo!
E ainda outra voz lhe sussurrava no ouvido, em tom ainda mais antiquado:
—És tu, és tu.
O conjunto de seus pensamentos era, porém, tão ridículo que ele ignorou o momento de autodepreciação, atravessou a rua, contornou um quarteirão e pôs-se, sem que ninguém o notasse, de volta ao caminho correto — ao menos no que dizia respeito aos seus interesses, senão no da moralidade. Logo, podia enxergar o bar em que o encontro fora marcado, ainda distante algumas quadras.
Fora mais fácil do que ele imaginava, marcar o encontro. A lembrança das conversas eternizadas no papel teve um efeito surpreendente sobre Laura, que não escondeu por muito tempo o desejo de reviver momentos como aqueles. Dois dias depois, marcaram a data e o local em que se veriam após tantos anos. Depois, foi necessário apenas inventar uma desculpa para a esposa.
A esposa. Pensar nela agora, enquanto apenas algumas quadras o separavam do local em que, pela primeira vez desde o começo do namoro, encontrar-se-ia com outra mulher, era particularmente doloroso. Pensar no fato de que aquela era sua primeira escorregada desde o começo do namoro doeu ainda mais e a dor fez Heitor duvidar.
Duvidar era um problema. Porque suas pernas tremiam e ele xingou a esposa em pensamento, por não conseguir se controlar. A esposa fora particularmente amorosa no café da manhã, e aquilo era muito irritante. Por que ela não entendia? Por que não enxergava? E se enxergava — deveria enxergar, não é possível que fosse tão cega —, por que agia daquele modo, por que se esforçava tanto para que tudo desse certo?
Era o tipo de atitude que ela costumava tomar. Exatamente a postura burra e irracional pela qual Heitor se apaixonara.
Ele parou.
Não era hora para isso, mas ele não pôde continuar. Faltava tão pouco, agora, ele sabia, mas não conseguia seguir em frente. Suava, chorava, sua garganta doía, suas mãos comprimiam-se contra o rosto, suas pernas estavam inseguras.
Sentou-se no chão, pensou mil coisas em um segundo e depois levantou-se e voltou para casa.
Não era exatamente remorso. O que ele sentia pela esposa não havia mudado — ele apenas havia sido assolado pela lembrança dos sentimentos que já possuía. Isso equivalia a uma equiparação da esposa com Laura, já que, ele percebia, seus sentimentos em relação à antiga colega derivavam, também, dessa saudade deturpada, que omite tudo o que há de cotidiano, e nos faz pensar no passado como algo essencialmente extraordinário.
Heitor não estava, de fato, apaixonado por Laura, conforme agora parecia óbvio. Ele apenas se agarrava a ela como uma forma de retomar tempos que não poderiam voltar de outra forma; a idade lhe atingira de forma dolorosa, a memória dos tempos universitários despertara um sentimento até então desconhecido, e a possibilidade de reviver esses tempos por meio de sua antiga paixão lhe parecera tentadora.
A idéia, que lhe parecera tão boa quando analisada no ímpeto de seus instintos, não poderia sobreviver a uma análise racional como a que ora fazia. Abdicar do amor em troca da paixão não fazia nenhum sentido quando o assunto era avaliado de forma mais cautelosa, porque o amor é um fim inevitável a que todo ser humano chega e seria impossível sobreviver sem ele. A rotina, que outrora lhe parecera tão insuportável, agora se apresentava como uma forma de proteção sem a qual ele jamais poderia enfrentar o mundo, devido à própria natureza dos sentimentos impulsivos: eles ardem com uma intensidade tamanha que são capazes de ofuscar todo o resto e, no entanto, consomem-se rapidamente, extinguindo-se antes que se possa tirar deles todo o proveito que se gostaria.
E era por isso que, agora, andava de volta para o metrô e ocupava novamente uma cadeira em que poderia se manter o mais afastado possível das demais pessoas. Exausto, deixou a cabeça tombar sobre o encosto — demasiado baixo, demasiado incômodo — da cadeira do trem, enquanto observava, quase sem perceber, as paredes do túnel passando alucinadas pelas janelas do vagão.
Voltava para casa.
Quando chegou, estava em frangalhos. Seria justo que a esposa, surpreendida pela volta precoce do marido, estivesse com outro homem no momento. Seria o mais correto, e cada lágrima que o marido derramasse então escorreria com merecimento.
No entanto, a esposa estava sozinha, lendo um livro. Recebeu o marido com um abraço e não insistiu quando ele não conseguiu explicar o que houve. Ali, Heitor teve certeza de que tomara a decisão correta ao desistir do encontro. Viram televisão juntos, como há tempos não faziam, jantaram fora, foram um casal novamente.
A vida podia, mesmo, ser maravilhosa. E ainda assim, como que para justificar o título do texto, no bar acertado, na hora combinada, ninguém esteve a esperar por Heitor.
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