sexta-feira, 20 de maio de 2011

O cigarro está deixando o riso dele amarelo. Às vezes, penso que vou pegar todos os maços de cigarro dele, todos os maços do mundo e amassar um por um, molhar tudo, não deixar secar nunca mais. Aí ele nunca mais me olharia pelo vão da porta, entrando de madrugada e me sorrindo aquele sorriso amarelo e morto, aqueles dentes amarelos, os pelos amarelos.
Nossos beijos têm gosto de café ou de álcool, nosso sexo tem cheiro de maconha, nossas conversas anestesiadas pelos calmantes e eu tenho vontade de pular sobre ele, agarrar-lhe o pescoço e sacodi-lo da poltrona, gritando Acorde!, acorde seu grande filho-da-puta!, eu estou aqui, está vendo?, sou eu, eu, eu! Mas eu tenho medo, medo de que se o fizesse ele se deixasse sacodir, os olhos vidrados e perdidos, a boca meio aberta ou meio fechada (uma questão de otimismo?) e soltando aquele zumbido asqueroso que ele faz às vezes no lugar das palavras.
No começo, quando nos viciamos em estar bêbados, em estar altos, em estar dopados, era bom, porque era... pelos motivos certos. A causa pela consequência etc, tomar uísque para ficar bêbado e não porque gostássemos de uísque. Eu gosto de acreditar que nunca mudei, mas ele se acostumou ao gosto amargo, à fumaça escura, aos venenos da rotina, tanto quanto se acostumou a me ter aqui e a esse sorriso estampado amarelo nessa falta de amar e de elo.
De vez em quando me dá vontade de contar tudo pra ele, sobre mim, sobre você, sobre todos os que riem dele pelas costas. Mas, de novo, o medo de que seja tarde demais, de que não faça diferença.

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