Desci a escada improvisada de madeira quase caindo, mas tinha gente lá, muita gente e me seguraram, me pegaram a mão e me botaram de novo no caminho (o caminho estreito entre as pessoas, o caminho que iam abrindo na minha frente com alguma truculência apesar dos Com licença, com licença!, um com licença gritado, mandado e sem opção que até é de se perguntar se é cabível, mesmo, esse termo que provém da permissão e do consentimento: licença). Os gritos das meninas e o dos homens de voz aguda se sobressaem no meio da gritaria total da multidão, então parecia que só havia adolescentes ao meu redor e eu tive que me esforçar pra não pensar que estava falando para um bando de idiotas. Que horror.
Um homem conseguiu de algum jeito entrar na minha frente. Era um sujeito tão devagar e barbudo que eu fiquei pensando em como era possível que logo ele tivesse conseguido se meter ali, mas para mim, francamente, não fazia diferença nenhuma, porque tudo era tão absurdo que esse tanto a mais ou a menos, oras, nem merecia crédito. Você tem toda a razão, ele disse com aquela voz devagar e barbuda, eu penso exatamente como você e ele batia no meu ombro (bater, não, que senão os truculentos o tirariam dali, mas ele punha as mãos dele, devagares e barbudas, no meu ombro e repetia mil vezes que eu estava certo e que era aquilo mesmo), meu Deus, que horror, me devolvam os adolescentes, se preciso for.
Me esquivei com um sorriso, porque as pessoas estão sempre dispostas a aceitar um sorriso como resposta, ainda mais quando se está tão absolutamente certo quanto eu supostamente estava, e segui sorrindo, já, pra facilitar o trabalho dos flashes e do sujeitinho de terno e cigarro que me esperava à porta e que, no dia seguinte, teria que fazer mil ligações para todos os jornais caso eu não sorrisse e dizer algo como Não era mal-humor, claro que não, era apenas um verdinho no dente que queria esconder, uma couve que sobreviveu às salivadas de duas horas e treze minutos de uma mpbzinha sem vergonha e, é claro, dizem, muita razão. Também não é, vejam bem, que eu realmente me importasse com quão facilitada seria a vida do sujeito, ainda mais que ele certamente não facilitava a minha em nada, mas àquela altura (foram duas horas de mpb da pior espécie e muita razão) já eu me sentia um barbudo vagaroso que sorri para todo mundo e diz Vocês, meus senhores, têm toda a razão, a maior razão do mundo; e não há quem possa questionar isso, pois A diz que B está certo e B defende cegamente as opiniões de A e quando C olha mais de perto, vê-C logo que porra nenhuma foi dita e que foda-se tudo isso.
Então segui sorrindo enquanto todo mundo aplaudia, faziam um verdadeiro espetáculo (aqui, autorizo expressamente que o leitor atribua à palavra qualquer sentido cabível ou incabível, inclusive aqueles não listados sob o verbete nos dicionários e já pra facilitar a vida daqueles menos imaginativos, cito: cavalo, revista, estrela (são palavras escolhidas em processo semi-dadaísta, porque sujeito a revisão em que excluí nomes próprios)), um horror, um horror, e me pareceu incrível que ninguém, nem a mais mísera puta alma tenha percebido que por mais maravilhosas e cheias de razão que tivessem sido aquelas duas horas, aquelas vinte horas, aqueles vinte anos de mpb, por mais cheias de razão, dizia, eu agora estava era descendo as escadas, quase caindo, ainda por cima e teria sido melhor, quiçá, se tivesse caído, mesmo, me acabado no chão e sido retirado de lá em uma maca, porque aí pelo menos ficaria livre dos gritos agudos e dos tapas barbudos, por Deus. Mas ninguém ligava, acho que era isso: não falta de atenção, mas falta de interesse, mesmo, e de... contato. CO-MU-NI-CA-ÇA-~O. Seja como for, todos preferiam crer na ilusão dos concertos futuros, ainda maiores, mais cheios de adolescentes e de vagarosidade barbuda, mais cheios de, com o perdão do palavrão, razão.
O que me tranquilizou.
Tanto fazia, afinal, que eu estivesse lá ou, sei lá, em um catamarã, palavra mais linda da língua portuguesa, da tamil e de todas as outras, palavra mais linda do mundo inteiro e de mil concertos de neo-mpb e de um catamarã.
O homenzinho me apressava. Eu disse que tudo bem, que ele fosse indo e que eu pegaria um ônibus, o que o fez rir honestamente e me chamar de uma figura e me conduzir discretamente (a mão direita dele se insinuando levissimamente no meu braço esquerdo) para o banco de trás da BMW, cuja porta um outro sujeito, ou talvez fosse o mesmo, já segurava aberta como seu sorriso e (eu percebi então) como o meu.
Um homem conseguiu de algum jeito entrar na minha frente. Era um sujeito tão devagar e barbudo que eu fiquei pensando em como era possível que logo ele tivesse conseguido se meter ali, mas para mim, francamente, não fazia diferença nenhuma, porque tudo era tão absurdo que esse tanto a mais ou a menos, oras, nem merecia crédito. Você tem toda a razão, ele disse com aquela voz devagar e barbuda, eu penso exatamente como você e ele batia no meu ombro (bater, não, que senão os truculentos o tirariam dali, mas ele punha as mãos dele, devagares e barbudas, no meu ombro e repetia mil vezes que eu estava certo e que era aquilo mesmo), meu Deus, que horror, me devolvam os adolescentes, se preciso for.
Me esquivei com um sorriso, porque as pessoas estão sempre dispostas a aceitar um sorriso como resposta, ainda mais quando se está tão absolutamente certo quanto eu supostamente estava, e segui sorrindo, já, pra facilitar o trabalho dos flashes e do sujeitinho de terno e cigarro que me esperava à porta e que, no dia seguinte, teria que fazer mil ligações para todos os jornais caso eu não sorrisse e dizer algo como Não era mal-humor, claro que não, era apenas um verdinho no dente que queria esconder, uma couve que sobreviveu às salivadas de duas horas e treze minutos de uma mpbzinha sem vergonha e, é claro, dizem, muita razão. Também não é, vejam bem, que eu realmente me importasse com quão facilitada seria a vida do sujeito, ainda mais que ele certamente não facilitava a minha em nada, mas àquela altura (foram duas horas de mpb da pior espécie e muita razão) já eu me sentia um barbudo vagaroso que sorri para todo mundo e diz Vocês, meus senhores, têm toda a razão, a maior razão do mundo; e não há quem possa questionar isso, pois A diz que B está certo e B defende cegamente as opiniões de A e quando C olha mais de perto, vê-C logo que porra nenhuma foi dita e que foda-se tudo isso.
Então segui sorrindo enquanto todo mundo aplaudia, faziam um verdadeiro espetáculo (aqui, autorizo expressamente que o leitor atribua à palavra qualquer sentido cabível ou incabível, inclusive aqueles não listados sob o verbete nos dicionários e já pra facilitar a vida daqueles menos imaginativos, cito: cavalo, revista, estrela (são palavras escolhidas em processo semi-dadaísta, porque sujeito a revisão em que excluí nomes próprios)), um horror, um horror, e me pareceu incrível que ninguém, nem a mais mísera puta alma tenha percebido que por mais maravilhosas e cheias de razão que tivessem sido aquelas duas horas, aquelas vinte horas, aqueles vinte anos de mpb, por mais cheias de razão, dizia, eu agora estava era descendo as escadas, quase caindo, ainda por cima e teria sido melhor, quiçá, se tivesse caído, mesmo, me acabado no chão e sido retirado de lá em uma maca, porque aí pelo menos ficaria livre dos gritos agudos e dos tapas barbudos, por Deus. Mas ninguém ligava, acho que era isso: não falta de atenção, mas falta de interesse, mesmo, e de... contato. CO-MU-NI-CA-ÇA-~O. Seja como for, todos preferiam crer na ilusão dos concertos futuros, ainda maiores, mais cheios de adolescentes e de vagarosidade barbuda, mais cheios de, com o perdão do palavrão, razão.
O que me tranquilizou.
Tanto fazia, afinal, que eu estivesse lá ou, sei lá, em um catamarã, palavra mais linda da língua portuguesa, da tamil e de todas as outras, palavra mais linda do mundo inteiro e de mil concertos de neo-mpb e de um catamarã.
O homenzinho me apressava. Eu disse que tudo bem, que ele fosse indo e que eu pegaria um ônibus, o que o fez rir honestamente e me chamar de uma figura e me conduzir discretamente (a mão direita dele se insinuando levissimamente no meu braço esquerdo) para o banco de trás da BMW, cuja porta um outro sujeito, ou talvez fosse o mesmo, já segurava aberta como seu sorriso e (eu percebi então) como o meu.
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