segunda-feira, 23 de abril de 2012

Dia 15

Ao longo dos dias, somos submetidos a uma série de procedimentos e exames que parecem indicar um certo sadismo em nossos carcereiros. Às vezes, chego a julgar que não estejamos isolados por causa da doença, mas de algum experimento sociológico de extremo mau-gosto.
Uma vez por semana, por exemplo, somos forçados a usar um uniforme especial. Não fazemos nenhuma atividade excepcional que justifique essa mudança, mas aqueles que se esquecem e vestem o uniforme habitual são retaliados pelo engano. Em outras ocasiões, fazem-nos passar horas seguidas numa ou noutra posição. De tempos em tempos, talvez por se sentirem entediados, dão-nos objetos para carregar, levando-os de um carcereiro a outro apenas para termos de levá-los de volta depois. Ou então, marcam, obedecendo a critérios obscuros ou a critério algum, determinados prisioneiros e nos fazem venerá-los por alguns dias, como se fossem heróis ou divindades. Nada impede, porém, que essas pessoas seja posteriormente execradas pelos mesmos carcereiros que as selecionaram.
Além disso, durante uma hora por dia, todos os dias, somos incentivados a conversar com outros cativos sobre nossas vidas anteriores, fora daquelas celas. É comum que, nessas horas, nossos carcereiros venham até nós e nos perguntem o que faremos no dia --- segundo eles, próximo --- de nossa libertação. Os outros presos parecem acreditar piamente nas promessas de indulto, de forma que respondem animados e fazem planos e dizem coisas como “Não vejo a hora”.
Não quero, porém, soar estoico. Eu mesmo mal posso esperar pelo dia em que me deixarão voltar para você.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Dia 14


Ontem, vi com clareza os efeitos do vírus sobre um homem. Sua fisionomia se transformou e até seu comportamento foi afetado. Em seu trato com os colegas, parecia outro. Mais ríspido, mais agressivo. Não tardou, porém, e aqueles próximos a ele também começaram a apresentar os sintomas da doença. A afetação do humor é sempre imediata, mas ocorre de formas infinitamente variadas: há quem feche-se em reclusão, há quem se torne extrovertido e isento de qualquer freio social – como se constantemente embriagado. O efeito físico não é menos imprevisível: alguns contaminados engordam, tornando-se flácidos e preguiçosos, enquanto outros descontrolam-se, hiperativos, e dão sinais de desnutrição. Eu? Julgo-me ainda inalterado. Mas não me engano. Pergunte aos outros e verá: qualquer um deles dirá o mesmo sobre si.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Dia 5

Eles, os homens que cuidam das portas, nos tratam bem. Há ração e água em fartura, então, mesmo com a doença, muitos de nós engordam. Seus desígnios são um enigma, porém. Dão-nos ferramentas e deixam que trabalhemos a terra e, contudo, tudo o que produzimos nos é tirado. Ao fim do dia, são eles que ficam com tudo.
A nós, o vírus.

Dia 2

Este é meu segundo dia aqui. Ontem, escrevi na areia um texto que já sabia fadado a desaparecer. De qualquer forma, não teria como levá-lo aos olhos de quem quer que fosse. Hoje, encontrei um correspondente: um portador a quem posso entregar esses escritos. É um sujeito pequeno, mirrado, mesmo. Não sei se posso confiar nele. Talvez me denuncie tão logo lhe dê as costas. Mas não me  importa, já que não há mais o que fazer. Entregarei os textos a ele, portanto, e aguardarei pelo que vier.