Ike nascera mesmo na
Noruega e de fato fora jovem para a Inglaterra. Também era verdade
que lutava como um herói da mitologia, o corpo e a mente parecendo
terem sido feitos para o embate. Era verdade até que sonhava com um
barco, como era verdadeiro o relato de como, após parecer condenado,
conseguiu um dos saxões no pântano. Depois, aparentemente, é que
as coisas não haviam sido bem como o relatado.
De posse do navio --- que,
ao contrário do que me fora dito, de acordo com esta versão ainda
carecia de um nome --- o próximo passo era ter uma tripulação. Os
soldados que o seguiam talvez fossem os melhores conhecedores de
metal e sangue, mas era preciso ter por perto quem conhecesse as
águas e os ventos para se navegar.
Assim, Ike reuniu homens.
Ele excursionou por meses
através de diversas vilas de noruegueses instalados na Inglaterra,
perguntando em tavernas por qualquer um que entendesse do mar.
Encontrou e recrutou homens fortes com talento para manejar os remos
e as velas, jovens ambiciosos dispostos a se submeter ao trabalho
duro no convés em troca das promessas de ouro e navegadores
experientes que conseguiam adivinhar para onde sopraria o vento. E
então, havia o Velho Dick.
O ancião já havia
passado em muito a idade de partir atrás de aventura, mas não houve
alma em sua vila que não o apontasse como o maior marujo que já
existiu. Diziam que não havia mar que o velho não desbravasse,
costa que o assustasse ou inimigo que o enganasse numa batalha em
alto mar. Ademais, apareceu diante de Ike com uma disposição que
inviabilizava qualquer possibilidade de negativa e com um rapazola de
catorze ou quinze anos --- o rosto imberbe enrolado por um pano
tornava difícil precisar --- que prometia a força que faltava ao
pai. O gigante riu, bateu amigavelmente no braço do menino e mandou
que subissem logo à bordo.
O tempo, porém, provou
que o jovem tinha pouquíssimo a oferecer no convés. Era fraco e
desengonçado, incapaz de atar cordas ou erguer caixas. Além disso,
tinha uma curiosidade que o afastava dos trabalhadores braçais,
ocupados demais para conversar, exceto quando se sentavam à noite em
roda.
Mas não é dizer, também,
que os dois foram um fardo para a embarcação. O Velho Dick tinha
uma força inacreditável e uma disposição incondizente com sua
idade. Também parecia conhecer absolutamente todos os segredos de um
navio e da arte de cruzar o mar. E quanto ao rapazola, também não
gostava do ócio. Se lhe faltava o talento para o serviço pesado,
lhe sobrava inteligência e audácia. Ele, portanto, preferia passar
seu tempo ao lado de Ike.
E, no comando, o impúbero
demonstrava jeito. Palpitava sobre rotas, enxergava passagens com a
habilidade de um falcão, lia as nuvens, os pássaros e os ventos
como se fossem escritos em uma língua que só ele dominasse. Se o
navio de Ike era um monstro dos oceanos, capaz de derrotar qualquer
adversário, o filho do Velho Dick certamente merecia crédito por
isto.
Um dia, quando navegavam
de volta dos mares do norte, Ike quis evitar a costa escocesa,
navegando por águas profundas, mas o jovem insistiu que o tempo
mudaria e que não haveria escocês no mundo que seria do que a
tempestade que viria a cair. Ike defendeu seu ponto ainda por algum
tempo, mas então abaixou a cabeça e concedeu e todos assistiram com
assombro à tormenta que se abatia, enquanto passavam sem maiores
percalços pelas águas rasas do litoral da Escócia.
Quando chegaram a terras
inglesas, todos foram a um pub e Ike comprou cerveja para todos, em
celebração a estarem vivos. Ele ergueu sua caneca tantas vezes que
mal conseguia andar até os barris para se servir de áis bebida, mas
não deixou de notar que o herói daquela noite não estava
bebendo.
Após algum tempo, o filho do Velho Dick levantou-se e saiu do salão, andando sozinho em meio à escuridão. Ike bebeu o resto de sua cerveja de um trago e então o seguiu.
Após algum tempo, o filho do Velho Dick levantou-se e saiu do salão, andando sozinho em meio à escuridão. Ike bebeu o resto de sua cerveja de um trago e então o seguiu.
No meio da noite, o
imberbe era reconhecível por sua silhueta fina e pequena, metade do
tamanho de qualquer homem de sua idade, sentada no cais. Apesar de
ser noite, mantinha os panos enrolados na cabeça. Estava em completo
silêncio e olhava o mar como se fosse seu único amigo. Ike
sentou-se ao seu lado.
Naquele momento, algo
muito estranho aconteceu. Ike sabia que o impúbere estava chorando,
embora não lhe visse as lágrimas, mas não se incomodou com isso.
Ele pôs a mão sobre os ombros da criança, que estremeceu, ameaçou
fugir, mas acabou ficando.
"Qual seu nome verdadeiro?", o gigante perguntou. "Menino" era o apelido oficial usado por todos, mas Ike sabia que não poderia continuar a usá-lo.
"Maud", respondeu a garota. Ela se virou para ele, chorando.
"Quer uma cerveja, Maud?"
"Dá azar ter uma mulher a bordo."
"Não é o que tem parecido. Eu sou muito mais capaz de afundar este navio, pelo visto." Ele não sabia, mas estava sendo profético. Maud riu e os dois se levantaram. Contar tudo para os outros seria um problema, mas nem de longe era o maior dilema com que Ike tinha que lidar.
"Qual seu nome verdadeiro?", o gigante perguntou. "Menino" era o apelido oficial usado por todos, mas Ike sabia que não poderia continuar a usá-lo.
"Maud", respondeu a garota. Ela se virou para ele, chorando.
"Quer uma cerveja, Maud?"
"Dá azar ter uma mulher a bordo."
"Não é o que tem parecido. Eu sou muito mais capaz de afundar este navio, pelo visto." Ele não sabia, mas estava sendo profético. Maud riu e os dois se levantaram. Contar tudo para os outros seria um problema, mas nem de longe era o maior dilema com que Ike tinha que lidar.
Dias depois, de fato, Ike
se meteu em uma luta contra as frotas de Alfredo. Era equinócio e o
navio, rebatizado em homenagem à garota, lançou-se ao combate, mas
Ike de fato não era o mesmo. O relato deste segundo inglês repetia
os sintomas apontados pelo primeiro: a nau estava lenta, perdida,
indecisa e insegura. O diagnóstico, porém, divergia.
Ike não havia perdido a
mão, mas a cabeça.
De repente, ele tinha
alguém à bordo que se sentia no dever de proteger. Simplesmente não
conseguia atacar com a determinação de costume. Na tentativa de se
manter protegido, acabou se expondo. Depois de incontáveis vitórias,
o Maud Thyra foi derrotado. Ike sobreviveu, o que talvez tenha sido
sua maldição. Os membros da tripulação foram separados e ninguém
sabe ao certo o que aconteceu com cada um deles.
Desde então, no
equinócio, o gigante lembra destes acontecimentos e chora, não pela
derrota ou pelo navio, mas pelo que de mais importante o mar lhe
tirou.
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