Rolou
na cama.
A
empresa era criação sua, dele e do sócio, era o negócio com que
ele havia sonhado e era correspondia a tudo o que ele havia esperado.
(O substantivo do verbo esperar pode ser esperança, mas também pode
ser espera.)
A
empresa era sua maior paixão, muito provavelmente, ele que amava
como todo mundo ama, que se distraía como todo mundo e que tinha uma
gama variada de interesses aos quais se dedicava tanto quanto podia,
tanto quanto qualquer um poderia, mas ele havia construído aquilo
junto com seu melhor amigo, a quem conhecia desde sempre, e sempre
que pensava no quanto havia sido difícil chegar até ali, se enchia
de orgulho.
A
empresa.
Não
havia nada de especialmente novo na ideia de vender tubos de PVC. Não
era uma vocação e não ia mudar o mundo. Não havia nada de
excepcional na empresa a não ser o fato de que eles a construíram
juntos, de que eles sofreram para chegar lá.
Estava
calor, melhor chutar o lençol para o pé da cama junto com o
cobertor.
A
alternativa era o mundo inteiro, ele nem sabia dizer o que faria se
largasse a empresa, talvez o sócio penasse no começo, não era essa
a questão, o sócio organizaria tudo, arrumaria alguém, não era
essa a questão era: o que ele queria, afinal?, ou, melhor dizendo: o
que, no fim das contas, lhe faltava?
Mas
também, não estava tão quente assim, volta-se o lençol.
Os
portugueses eram amigos de um conhecido do sócio, ele nunca entendeu
direito por que diabos haviam vindo para o Brasil atrás de
oportunidades no ramo da venda de tubos de PVC, talvez os mercados
europeus, a crise etc, vieram ao Brasil e trouxeram euros e conheciam
alguém que conhecia seu sócio e as coisas se encaminharam logo, até
porque tudo na empresa ia bem. Era uma Oportunidade, mas também um
Compromisso.
Não
lhe faltava absolutamente nada, nem fazia sentido perguntar isso,
ainda mais agora, ele acordava todo dia feliz, dentro dos limites da
razoabilidade, evidentemente, mas de qualquer forma, feliz, ia
trabalhar feliz, gostava até mesmo das coisas que desgostava,
gostava depois, quer dizer, de tê-las feito. E agora os portugueses,
então por que parecia tão ruim a irreversibilidade das grandes
decisões e por que às vezes tinha vontade de mandar tudo para o ar
e por que às vezes não aguentava o sócio? --- seu melhor amigo e
se conheciam desde sempre!
Ele
se lembrava de quando começaram a construir a empresa, parece que
foi em outra vida, era até engraçado pensar nisso assim, àquela
altura. Não faziam ideia do que estavam fazendo e não faziam ideia
de como as coisas se encaminhariam, então. Naquela época, faziam as
coisas pelas coisas, não havia visão nenhuma do panorama geral.
Deitado na cama, ele sentia uma saudade imensa daquele tempo.
Não
lhe faltava absolutamente nada e ele tinha planos incríveis, mesmo
naquela época, ele se empolgava com tudo o que fariam agora, com os
euros, se empolgava em planejar detalhes bobos, detalhes importantes,
detalhes...
Não,
estava calor, mesmo, que porra.
Queria
aumentar o pessoal, queria comprar um andar inteiro do prédio ao
lado para usar de estoque, já havia pensado em como faria para
conciliar o custo extra e achava que assim conseguiriam produzir
mais, fora o frete refletindo no preço final. Em cinco anos, achava
que teriam o dobro do tamanho, ainda mais agora com os portugueses,
uma oportunidade, realmente, mas também um compromisso.
A
alternativa era não fazer nada disso, a alternativa não era algo
muito bem definido, mas era o mundo inteiro. Ele havia viajado muitas
vezes, ele, que se distraía como todo mundo, e às vezes quando
estava em casa, pensava que não lhe faltava absolutamente nada, que
nenhum dos lugares que havia visitado eram melhores que sua casa, mas
por qualquer razão, sentia muita saudade de Paris.
Ele
tinha uma gama variada de interesse, via filmes como todo mundo e
havia ouvido eternamente as mensagens, tentando achar algum fator de
conexão. Havia ouvido repetidamente e continuaria ouvindo e achando
que deveria haver algum ponto de conexão que a gente eventualmente
tem que escolher entre seguir a cabeça ou seguir o coração,
deve-se sempre seguir o coração, mas nã havia ponto nenhum,
conexão nenhuma: ambas as alternativas correspondiam a vontades do
coração.
Rolou
na cama.
Um comentário:
Tognini?
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