Pensou em chamar a empregada para limpar, não apenas porque era por isso que ele a pagava, mas também porque era tremendamente alérgico. No último momento, porém, desistiu. Não sabia exatamente por que desistira, mas sentia que o caderno — era isso o que procurava — era algo muito particular para ser manuseado por outra pessoa. Então, virando a cara de lado com um certo receio, espanou com um pano as anotações.
Só então, começou a lê-las, com muito mais emoção do que jamais sentira. Muito mais do que quando as havia lido nos idos tempos do primeiro ano da faculdade, quando usava o caderno para eternizar conversas silenciosas com a então amiga. Conforme passavam-se as páginas, apimentavam-se as discussões, até que o verbo “amar” surgiu em meio a tantos outros. Inicialmente, tímido, um amor que não sabe se é, que não sabe se ama, mesmo. Depois, foi se tornando mais recorrente, até que todas as conversas passaram a girar em torno dele.
Mas era um verbo, apenas, porque à época não havia amor real. Havia paixão, talvez; desejo, certamente. Amor? Não. O amor não poderia existir naqueles tempos, eram jovens demais. O amor vem com os anos, o amor é um tipo confortável de cansaço, de preguiça. O amor conforma-se com o que é, ao contrário do sentimento ambicioso que outrora nutriam. À época, desejavam-se de forma ardente, incontida.
Não era como com sua esposa atual. Com ela, havia a comodidade de saber-se que alguém estará sempre lá. Não mais do que isso. Era meio triste chegar a essa conclusão, porque no começo, desejavam-se, também, de forma louca, irracional. O tempo é, pensou, um carrasco. Porque transforma em amor as paixões. Ao Diabo com o amor!
E era por isso que, agora, lia com tanto gosto suas conversas mudas com Laura. Porque sobre elas o tempo jamais poderia agir. Entre ele e Laura, o tempo não ousaria interferir.
No entanto, o tempo ousou passar e ele precisou voltar correndo para o escritório, escondendo o caderno em sua pasta de trabalho. Durante o resto do dia, quase não produziu. Só pensava naquela hora — a única do dia — de que dispunha só para si.