I
“A man can be happy with any woman as long as he does not love her.“
(Oscar Wilde)
Parte I - A Hora do Show
Antes de fechar a janela, deu uma última espiada na cidade, quase toda adormecida. Uma névoa fraca cobria as ruas escuras e tornava pálidas as janelas dos carros, mas aqui e ali, ainda eram visíveis, através das janelas, luzes acesas. Notívagos como ele.
No quarto ao lado, a esposa dormia. Aquela era a única hora do dia de que dispunha para si próprio, e ele sabia muito bem como a aproveitaria. Vinha pensando naquilo havia algum tempo, e decidira que não poderia mais postergar. A excitação já tomava conta de si. Estava no escritório, um quartinho pequeno. Havia iluminação forte, mas as lâmpadas estavam todas apagadas, com exceção da do abajur sobre a escrivaninha.
Respirou fundo, deu uma última espiada na esposa adormecida. Não havia nenhuma sombra de ternura em seu olhar; estava apenas checando. Fechou a porta e a trancou, virou-se, sentou-se na cadeira rotatória e ligou o computador. Era hora do show.
Tudo começou cerca de três semanas antes, quando ele estava revirando o armário procurando algo que já não se lembra o que era. Na ocasião, interrompeu sua busca por encontrar um álbum de fotos, dos tempos de faculdade. Sentou-se no chão e começou a lembrar-se, a procurar o rosto dos amigos. Alguns ele não via havia anos, e começou a imaginar o que eles faziam agora. Outros haviam mantido o contato, e ele ficou pensando o quanto eles haviam mudado nesses cinco anos.
As roupas desleixadas haviam sido substituídas por ternos, o cabelo longo fora trocado por cortes comportados, os bolsos, outrora vazios agora abrigavam carteiras recheadas. Havia fotos de algumas festas, de alguns eventos. E então, as fotos de uma viagem que fizera com alguns deles. Todos rindo, ao lado da churrasqueira (precisaria marcar um “churras” para matar a saudade), todos pulando na piscina.
E então, a foto que mudara tudo.
Lá estava ele, mas nem parecia. Na época, não tinha a barriguinha que hoje cultivava, e o peito — visível, já que estava apenas de bermuda de banho — recebia os cuidados de exercícios diários. Ao seu lado, de biquini e portando um sorriso maravilhoso, Laura. E ela era linda, e Heitor sabia disso, porque tivera um caso com ela, naquela época. Durou pouco, trocaram alguns beijos, apenas, e foi só; e foi tudo.
E agora, lá estava ela, novamente. Heitor perguntou-se como ela estaria hoje, mas, mais do que isso, perguntou-se como seria sua vida com ela. Amava sua mulher, ou pelo menos achava que a amava, mas o casamento vinha se tornando tedioso, e o tempo conseguiu enfraquecer a paixão e destacar aquelas pequenas desavenças.
Ele nunca havia cogitado trair sua esposa, mas o que pretendia fazer não seria traição. Seria? Não, achava que não, e se achava que não a estava traindo, então certamente não estava, certo? Bem, claro que havia aquela sensação de proibido, mas era aí que estava a graça. Na primeira semana, fantasiou com uma vida diferente, na qual teria dado uma chance à paixão do primeiro ano de faculdade, dez anos atrás. Na segunda, começou a criar em sua mente problemas que nunca antes havia visto em seu casamento. E na terceira planejara o que faria a seguir.
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