segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Manhã Seguinte

Quando acordou, sua cabeça latejava. Estava, ainda, um pouco tonto, e não se lembrava de absolutamente nada da noite anterior. Virou-se na cama para pegar o que sobrara de água em um copo deixado providencialmente no criado mudo, e acabou se deparando com Lívia.

A esposa dormia e parecia tranquila. Haveriam feito amor? Tentou se lembrar, mas nada lhe veio. A ultima coisa de que se recordava era a conversa animada após a segunda garrafa de vinho. Falavam de comemorações. Ou talvez de viagens; era possível.

Ele passou os dedos no cabelo dela com o objetivo confesso de acordá-la, conhecedor que era de seu sono leve. Mas ela nem se moveu. Devia estar mais cansada que de costume, pensou ele. A noite fora mesmo boa.

No entanto, conforme a observava dormir, a preocupação começou a crescer, porque ninguém pode ter a consciência tão tranqüila quando se bebe ou quando se vive um relacionamento amoroso — e ele se enquadrava em ambas as situações. Não seria possível que o cansaço justificasse um sono tão mais pesado que o costume. Era impossível que ela não tivesse acordado. E a respiração da moça? Estaria mesmo regular? E seus olhos, será que não haviam se movido um pouco? Prestou atenção por algum tempo, e embora não tivesse visto nada de significativo, ficou certo de que ela não estava dormindo, também porque o casamento dá ao cônjuge essa prerrogativa de inferir certezas a cerca do parceiro com base em suas próprias idéias e temores.

Assim, ele tinha certeza de que ela fingia, mas precisava descobrir por quê. Será que a conversa entusiasmada sobre uma segunda lua de mel — sim, com certeza era esse o tema da conversa — não havia evoluído para uma noite de prazeres, mas para uma briga? Será que, embriagado, ele havia feito algum comentário que desagradara a parceira? Haveria ele provocado a ira da companheira logo agora, que iam tão bem?

Ou pior: será que a conversa teria de fato evoluído para o sexo, mas este fora tão ruim, tão completamente desagradável para ela, que ela já não quereria sequer imaginar uma segunda lua de mel? Não quereria sequer deixar que ele soubesse que estava acordada?

Mas seria uma injustiça, pensou ele, julgá-lo por uma única noite, após tantas! E ainda mais sendo uma noite em que estivera bêbado!

Típico dela, levar em conta sempre somente suas falhas, ignorando quaisquer virtudes. Sempre fora assim, e, em verdade, era claro que o relacionamento só sobrevivera graças aos esforços dele, porque ela só se importava com o próprio nariz. Que, por sinal, nem era tão bonito assim, observou ele, já sentindo uma onda de raiva. Por que ela continuava fingindo? Por que ela estava brigada com ele, quando ele era claramente a vítima?

Por Deus, estava a ponto de bradar, mas então viu que ela sorria e que, ao lado do copo que ele terminara de beber, estava a embalagem das pílulas para dormir que ela costumava tomar sempre que bebia.

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