domingo, 26 de abril de 2009

Acaso, 2

O segundo encontro foi na mesma casa noturna, só que uma semana depois. Era quinta-feira. Ele estava falando com outra garota, o braço apoiado na parede como que cercando ela, que também se encostava, só que pelas costas, e então alguém o cutucou e ele virou e era Laura. A outra menina, a encostada na parede acabou ficando com o copo de caipirinha, mas aquilo parecia promissor.

Treze horas antes ele saía da faculdade e Raíssa o chamou e eles ainda tinham aquele trabalho pra entregar na mesma semana e ele percebeu que ela tinha certeza de que ele não faria absolutamente nada.

Com a luz piscando daquele jeito, era engraçado ver Laura dançando, porque parecia um filme em stop-motion. Ela não era de verdade linda, mas quando virava de costas e abaixava com uma mão sobre a cabeça, quando ela virava e o puxava e mordia o seu lábio de baixo (o lábio de quem?), com a música daquele jeito, aquilo era exatamente o que ele esperava de uma quinta-feira às duas da manhã.

Não, não, ela podia deixar, claro que ele ia fazer a parte dele, mas aquele meio sorriso descrente era tão incrivelmente irritante que naquele momento ele decidiu que não era mentira, que ia mesmo. Não, não, claro, amanhã se reuniriam. Amanhã? Certo, certo, às 7h? Por Deus, logo às 7h? Numa sexta feira, às 7h? O quê? Sim, sim, claro, às 7h, então. Sem falta.

Aquilo estava começando a ficar impróprio para o lugar, e todas as pessoas olhavam e Fernando estava se exibindo, mas também concluía que era hora de sair dali. Quando a puxou de leve ela virou e mostrou a língua e tinha uma pílula lá que ela deu pra ele em um beijo e também, que importava que olhassem? Fernando era mãos e língua, Laura era corpo, o resto era o resto. Mais uma caipirinha, então, e agora era ela que puxava, e as paredes passando também em stop-motion (ainda era por causa da luz?), trombou com um casal, todo mundo riu, ou foi só ele, e já estava pagando a conta de novo e saindo.

Dessa vez, estava com a chave do carro, então entraram e chegou não sabia como à casa dela. Ainda no carro, se derrubavam, se puxavam, se rasgavam, então era só ela falar alguma coisa para ele dizer que sim, que queria entrar fosse para que fosse. Mas então era aquele sorriso duvidando de novo, ele língua, ele mãos, ele não querendo ser cabeça, e ela corpo, ela língua, também, e já eram quase quatro horas, apenas, quatro horas e uma noite inteira pela frente, já quatro horas e amanhã, às 7h, língua, corpo, mãos, mas então cabeça e um beijo que tinha a clara intenção de ser o último, pelo menos por enquanto. Ela riu, entendeu, saiu do carro. Dessa vez ele pediu o telefone, mas ela já batia a porta do carro e, se ouviu, fez que não.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Acaso, 1

Quando Fernando chegou à boate, a noite já ia avançada, porque ninguém gosta de ser o primeiro. Ele eram três, os dois amigos e ele, e portanto, três bohemias long neck a R$6,50 cada. Um guardanapo em volta da garrafa, tomando no gargalo e um deles saca um cigarro; era a caça. Nessa noite, Fernando conheceu Marcela e Pâmela e duas loiras, uma cujo nome não entendeu, outra cujo nome não perguntou, e conheceu também Laura, uma ruiva um tanto estranha, mas que parecia bom negócio, porque já eram mais de 4 horas e o dia ia acabando.
Chegou-se a ela pondo a garrafa (não a mesma) em cima do balcão e se assustou quando ela pegou a cerveja, tomou todo o resto de um gole, puxou-o pela gola da camisa e o levou para fora da casa noturna. Nunca tinha sido assim para ele, e ele seguiu, porque os amigos provavelmente fariam o mesmo. Pagaram as contas, cada um a sua, e riram juntos quando sentiram o vento da noite fria, em contraste com o calor esfumaçado de dentro.
Nessas situações, ele costumava... Costumava o quê? Nunca houvera outra situação como aquela, e ele demorou quase um minuto para se constranger porque a chave do carro não estava com ele. Ela riu e fez sinal para um táxi.
Fernando abriu a porta para ela, na tentativa de retomar o controle das coisas e entrou no carro já se inclinando para mais um beijo, mas quando foi fechar a porta atrás de si, viu que não podia. Uma pausa: não era nenhum impedimento moral que mantinha a porta aberta, mas a mão de Thiago, um dos dois amigos, que segurava a porta e indicava com a cabeça o terceiro deles, Felipe, que claramente tinha bebido demais. A Fernando, restou suspirar, terminar o beijo interrompido e sair do táxi com uma desculpa murmurada. Ele não pediu o telefone dela, nem ela o ofereceu.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Sem título

Não, não muda de calçada!
Nem me vira assim as costas!
Dei-te asco, eu sei, mas fiz
tudo pra ser o que gostas.

Não espero que te lembres –
o tempo agora é passado.
Só o que peço é que tu saibas
quem tiveste ao teu lado.

Quero que saibas ao menos
que um dia foste quista
em silêncio e sem segredo
que o amor se dá na vista.

Já não saberei como andas
ou de quem tem companhia.
Só me importa que tu saibas:
que se não hoje algum dia

Tiveste alguém que a ti quis
melhor do que a si próprio.
Que a ele foste colírio
Teu sorriso era seu ópio.

E se agora o passado e
não presente ao verbo emprego,
por favor diga que isso
não te tira o sossego!

Se depois a vida segue,
que te importa se eu esqueço?
Não te valhe que tu saibas
já ter sido alvo de apreço?

Se hoje eu a outra chamo,
não é desprezo ao beijo teu!
Não te valhe já saberes
que tua vida a alguém valeu?

domingo, 12 de abril de 2009

Doce vida

Como a moça que se deixa bater, que mesmo o deseja enquanto amarrada, humilhada e usada, enquanto compartilhada pelo amante com tantos, reificada, até. Que se sente privada dela mesma e se entrega além do que alguém pode conscientemente se entregar e quando confrontada com qualquer coisa que haja de ultrajante ou de terrível, baixa os olhos obediente e repete Eu o amo, eu o amo.
Como o homem que se sabe traído e sente a vergonha de fingir o que não se finge e que espera acordado e acredita no que sabe mentira (duplipensa?) e perdoa tudo sem perdoar nada, pois não há o que perdoar, não há traição, não há nada. Que ouve as fofocas e o nome trocado e ainda paga o analista, dentista, oculista, recebe em casa o amigo comunista, mas não liga, não liga, que a ama, que a ama.
E como o homem que quer se saber senhor porque não pode cogitar que não a possua, porque quer-lhe tanto que inteira e toda, e como a mulher que volta à noite para casa (nunca deixa de voltar) e, ao ver que a espera, reconhece-o grande e sabe-se menor e curva-se e oferece-se inteira, porque amamos.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Haha,

ri ele, amarelo, e é ela quem olha duro porque tem que manter a seriedade. Nem parece que é ele quem comete ali o crime, quem toma a frente da ação; ela tenta não chorar. Um pássaro ciscando, uma mariposa que voa, um papel levado pelo vento. Um vendedor de pipocas: são seus olhos, os dele, que não param quietos, que não se concentram. Ela aperta sua mão na dele, puxa os braços, chama o nome. Ele olha, mas não foca.
Eu sou o outro, no banco em frente, um livro disfarçado na mão. Eu vejo as lágrimas e não ouço a discussão. Quando levantam e saem, não sei se vão se ver de novo, se vão se amar de novo. Também não me importa, e é bom que posso voltar a ler.