domingo, 12 de abril de 2009

Doce vida

Como a moça que se deixa bater, que mesmo o deseja enquanto amarrada, humilhada e usada, enquanto compartilhada pelo amante com tantos, reificada, até. Que se sente privada dela mesma e se entrega além do que alguém pode conscientemente se entregar e quando confrontada com qualquer coisa que haja de ultrajante ou de terrível, baixa os olhos obediente e repete Eu o amo, eu o amo.
Como o homem que se sabe traído e sente a vergonha de fingir o que não se finge e que espera acordado e acredita no que sabe mentira (duplipensa?) e perdoa tudo sem perdoar nada, pois não há o que perdoar, não há traição, não há nada. Que ouve as fofocas e o nome trocado e ainda paga o analista, dentista, oculista, recebe em casa o amigo comunista, mas não liga, não liga, que a ama, que a ama.
E como o homem que quer se saber senhor porque não pode cogitar que não a possua, porque quer-lhe tanto que inteira e toda, e como a mulher que volta à noite para casa (nunca deixa de voltar) e, ao ver que a espera, reconhece-o grande e sabe-se menor e curva-se e oferece-se inteira, porque amamos.

Nenhum comentário: