Algo o incomodava.
Podia ser a escuridão
absoluta que absolutamente escurecia naquele absolutamente escuro
corredor. Podia ser o mero fato de estar ali, tomado de uma só vez
refém e guardião da moça que deveria ter sido apenas mais uma
vítima, indo de encontro a Kim Jon-Il, seu ex-empregador e atual
inimigo. Podia ser o tilim-toc-tilim que Najibah fazia ao chutar, com
a perna de pau, um objeto qualquer que ela achara ao longo do
corredor e que, inexplicavelmente, não perdia na escuridão.
Fosse por quê fosse,
Samuel Matias descontava seu incômodo falando sem parar.
Algo a incomodava.
Podia ser a escuridão
absoluta que absolutamente escurecia naquele absolutamente escuro
corredor. Podia ser o fato de ter perdido tudo o que tinha, inclusive
uma perna, e de ter tido que se unir a seu algoz para ter qualquer
esperança de alcançar a almejada Vingança. Podia ser o maldito
objeto que ela não parava de chutar com sua perna de pau, fazendo
tilim-toc-tilim – mesmo quando ela tentava andar no curso mais
aleatório possível, na compreensível expectativa de que isso a
faria errá-lo. Ou podia ser o fato de que Samuel Matias falava sem
parar.
...e então eu cheguei
à Coreia do Norte, onde fui apresentado a ele pela primeira vez. E
ele simplesmente disse para mim: Voe por aí, despeje cobre derretido
ou o metal que mais lhe aprazer sobre os vilarejos, divirta-se. E eu
pensei: Oras, por que não?, e...
Quanto tempo fazia que
andavam? Najibah havia tentado contar seus passos ao longo do
corredor, mas perdeu a conta quando o tilim-toc-tilim começou a lhe
irritar demasiadamente. Por que Jim Jong-Il estaria em um lugar como
esse? Certamente era seguro, mas algo parecia errado.
...mas claro que as
crianças tinham gritos mais agudos, então eu acabava dando alguma
preferência a elas, veja bem, por questões estéticas, apenas, já
que no mais, era totalmente imparcial, palavra!...
Park, o homem gordo que
os liderava, se fazia saber apenas pelo som dos passos. Ela prestava
atenção. Não havia nenhuma irregularidade no andar dele, pelo
contrário. Era firme, decidido, embora não fosse valente. Além
disso, ele fedia a medo e, numa situação dessas, medo indicava
honestidade.
...e no outro dia ele
já estava animado novamente, então me disse: Voe para a Índia e de
lá para o Paquistão e eu disse Paquistão? e ele disse Sim, para
Peshawar e eu disse oras, claro, por que não? e...
Toda a situação era
um aborrecimento completo, ainda mais porque a perna de pau lhe doía,
mas finalmente Najibah avistava ao longe indícios de iluminação.
Ela estancou.
O que você disse?
Hein?
Sobre o Paquistão. O
que Kim Jong-Il lhe pediu?
Para ir da Índia para
Peshawar, porque lá...
Não.
Não?
Não. Ele não disse.
Ele não diria isso.
Por que não?
Porque ele gosta de
cinema. Se você fosse da Índia para Peshawar, você teria que fazer
um pouso forçado e ir para Shangri-la.
É?
Definitivamente.
Então ele queria que
eu caísse? Porque eu não caí, e...
Não, ele não queria
nada, na verdade...
Ela se abaixou, tateou
o chão. Suas mãos encontraram a peça de metal, o tilim de seus
tocs. À pouca luz que agora havia no túnel, Najibah examinou o
objeto. Era o Spirit of Ecstasy.
Samuel, ela disse,
enquanto Park a chutava para o chão e imobilizava o outro, é uma
armadilha.
2 comentários:
Eu deveria ter entendido, fi? Spirirt of extasy? Ups!
É o nome do símbolo da Rolls Royce, aquela estatuetinha em cima do capô.
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