Na manhã do Confrontamento, nem
fiz caso do envelope sobre meu teclado. Empurrei-o de lado, liguei o computador
e iniciei uma partida de Paciência Spider, enquanto esperava que minha colega
chegasse.
Olhava o relógio compulsivamente.
Nove horas, ela não havia chegado. Dez horas e nada. Onze. Ao meio dia, fiquei
em dúvida se saía para o almoço ou não. Esperei mais um pouco, mas,
aparentemente, a questão dos indicadores não bastava para me tirar o apetite.
Bloqueei o computador, desci o elevador, saí o prédio. Não havia dado três
passos do lado de fora e ela se chegou a mim: a senti antes de a ver, vinda de
trás, me puxando o colarinho e sussurrando ao meu ouvido: “Por aqui.”
Fui com ela, algo no seu senso de
urgência me impedindo de puxá-la, pará-la, questioná-la. Por algum motivo,
preferi ficar quieto. Ela virou à esquerda uma, duas vezes, depois à direita, e
eu a seguindo até que entramos em um prédio. Ela chamou o elevador e eu não disse
nada. Subimos.
O prédio era residencial. Quatro
apartamentos por andar e ela me levou para um específico. Acho que era o
apartamento dela. Havia três crianças, lá dentro, uma vendo televisão, as
outras duas discutindo para ver qual delas teria o direito de brincar com um
boneco qualquer. Num canto da sala, havia um computador e dava para ver a
janelinha do MSN piscando, piscando, sem resposta.
De repente, levei um susto, corri
para perto das crianças e peguei-lhes as mãos. Não faltava nenhum dedo, ufa.
Minha colega soltou um risinho, mas não havia muita alegria nele. Era um riso
cansado.
“Achei que eu pudesse te ajudar”,
ela disse.
“Me ajudar?”
“Com os dedos.”
Eu não queria ajuda nenhuma, muito
menos se essa ajuda assumisse a forma de indicadores humanos cortados fora e colocados
sobre minha mesa em envelopes pardos. Já não entendia o que eu esperava ao
acompanhá-la até lá. Que tipo de respostas eu achava que encontraria. Era só um
apartamento, uma família, alguém impaciente no MSN. Senti raiva dela, de mim,
das crianças. Lembrei que estava com fome. Fui embora.
***
No dia seguinte, cheguei tarde e
ela não estava no escritório. “Tanto melhor”, pensei. Sobre a minha mesa, havia
um envelope, que eu abri com descaso. Era um contrato de um cliente.