A carta não vinha endereçada
exatamente a mim, mas ao "Departamento Jurídico". Como, porém, a
empresa era pequena e não se envolvia muito em litígios de um modo geral, as
duas coisas eram sinônimas, isto é: eu correspondia à íntegra de tal departamento.
Assim, embora meu nome não constasse no envelope, foi a mim que a carta foi
imediatamente encaminhada, assim que recebida na empresa e fui eu o primeiro a
abrir o envelope e perceber que alguma coisa muito estranha devia ter
acontecido, já que, em condições normais, eu nunca deveria ter recebido nada
parecido com aquilo.
Dentro do envelope não havia
nenhum recado para mim nem nenhum contrato que exigisse validação: havia um
dedo humano.
Evidentemente, eu consegui pensar
em algumas implicações jurídicas relacionadas ao fato de alguém me ter enviado
um dedo pelos Correios --- de imediato, me vieram à mente a lesão corporal
gravíssima e a violação das normas dos próprios Correios, que provavelmente não
permitem o transporte de partes humanas ---, mas ainda não entendia muito bem o
motivo daquilo ter sido enviado especificamente à minha mesa. Que eu me
lembrasse, nunca havia feito elogios ao dedo de ninguém e também nunca
demonstrei nenhuma inclinação à mutilação ou ao canibalismo (embora Deus saiba
as coisas que ocasionalmente me passam pela cabeça).
Chamei a menina ao meu lado,
funcionária do setor de atendimento ao cliente --- omito seu nome por medo de
lhe trazer problemas. Ela estava no telefone e digitava com muita força, para
que a pessoa do outro lado da linha ouvisse e achasse que ela estava
efetivamente se esforçando para encontrar as informações solicitadas, embora,
na verdade, ela estivesse apenas conversando pelo MSN com uma amiga. Mesmo
assim, virou-se para mim inquisitiva e fez com a cabeça um sinal para que eu
falasse. Muito embora ela claramente não estivesse prestando atenção ao
cliente, fiquei um pouco intimidado pela situação, de forma que apenas indiquei
o envelope para ela. Com um levantar dos ombros, ela me pediu mais informações.
"É um dedo", disse eu.
"O quê?", perguntou ela.
"Um dedo."
Ela ficou em silêncio por um tempo
e, após pensar um pouco, perguntou: "E de quem é?"
"Não sei."
"Por que não?"
"Porque não sei, apenas
recebi um dedo num envelope. Como ia saber?"
"Digitais."
"Boa sorte", disse e entreguei o dedo
para ela. Ela guardou o dedo em sua gaveta e retomou a conversa com o cliente,
justificando sua demora com uma estranha lentidão do Sistema. Dei de ombros,
satisfeito: havia resolvido meu problema e estava livre do dedo.
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