Acho
que eu sempre acreditei que morreria dentro da água. Atirado contra
alguma pedra, afogado por ter me deixado agarrar por um polvo,
envenenado pelas pinças peçonhentas de algum crustáceo, enfim,
fosse como fosse. Por isso, quando as ondas se revoltaram e me
arremessaram na costa de um penhasco durante um mergulho no litoral
de Moçambique, eu fui tomado por uma serenidade fúnebre. Mesmo
assim, agarrei-me como pude a um coral, sentindo minhas mãos se
rasgarem. Fiz o que consegui para me segurar, mas a maré me puxava
de volta, me cegava os olhos, me roubava o fôlego. Administrando
minhas forças entre a necessidade de erguer a cabeça acima da água
e de atar os braços à parede rochosa do penhasco, consegui como que
por milagre me firmar entre duas pedras. Vi que a água ao meu redor
estava vermelha de sangue e eu sentia vagamente alguma dor nos
membros arranhados, mas o frio e a adrenalina me anestesiavam.
Respirei, procurei me apoiar melhor e me ergui.
As
ondas ainda batiam com força, de modo que fiquei por algum tempo
parado, concentrado apenas em não ser atirado novamente contra as
pedras. Meus braços ardiam, meus olhos ardiam, minha boca estava
cheia de água e sal. De repente, senti vontade de gritar. Eu estava
vivo.
Um comentário:
"Seu sentido simbólico corresponde ao do 'oceano inferior', [...] agente transitivo entre o informal (ar, gases) e o formal (terra, sólido) e, analogicamente, entre a vida e a morte. [...] 'Voltar ao mar' é como 'retornar à mãe', morrer."
(CIRLOT, Juan-Eduardo - Dicionário de símbolos)
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