domingo, 20 de dezembro de 2009

Me gusta danzar con Toby,

rodar con él por la calle y acordar los demás. Me gusta sentirlo mordiscar mis calcañares, chocarse con mis pernas, sentirse tonto porque o es. Me gusta saber que su felicidad es fruto directo de la mi a e que no la senté por motivo ninguno que no sea mi propria alegría e realización. Él nunca es triste si yo no soy triste, él nunca es alegro si yo no lo soy. Me gusta saber que puedo tirarlo de la más completa felicidad; que puedo hacer su rabo parar de abanar para jugarlo en completo desespero simplemente porque así lo quiero, simplemente porque la dore que siento en mi peto es tao grande que extravasa de mi e o atinge también. Me gusta saber ser su dono y su maestre y su señor. Me gusta mi perro, por supuesto.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Conto de cavalaria

Durante toda a segunda década do primeiro milênio de nosso Senhor, Sir Rodrigues figurou entre os mais respeitados cavaleiros da região ao sul da Galícia. Nos anos em que bramiu sua lança em duelos nas arenas, ele desvirginou mais donzelas do que colecionou oponentes derrotados e gerou mais descendentes do que gostariam de crer os carpinteiros e ferreiros e artesãos e agricultores casados com moças tais.
Foi em um duelo contra Dom Henrique da Lusitânia que, diante das bancadas repletas de espectadores, Sir Rodrigues levou seu golpe mais duro e certeiro quando, prostrado de pé frente ao adversário já derrotado, viu na platéia os dentes brancos do sorriso quase completo da Senhorita Ana. (Digo "quase" não porque se furtasse a um sorriso em todo, mas porque o ano era o oitavo da segunda década do primeiro milênio de nosso Senhor, e porque no oitavo ano da segunda década do primeiro milênio de nosso Senhor, um sorriso nunca era realmente completo no que dizia respeito a dentes, ainda mais se brancos.) Ergueu a mão direita em um aceno que se pretendia confiante, e diante do vacilo do braço forte, não houve alma na platéia que não houvesse previsto sua derrocada. Mas Ana, que não gastava sorrisos à toa e ciente que era da brancura de seus dentes, nem chegou a ver o gesto débil, visto que já deixava a arena, sabendo-se vitoriosa.
O segundo ataque não tardou. Já três noites depois, em um baile, a donzela negou uma dança ao cavaleiro que, embaraçado, teve de simular um riso e alguns passos (e, posteriormente, uma noite de amor) com uma outra senhora que já há algum tempo lhe importunava e que gritava como um casal de gatos, o que só aumentou o desgosto do herói ferido. Os golpes, porém, não cessaram por aí, sucedidos pela hábil intercalação entre dias de indiferença e de olhares calculados, pelas roupas escolhidas a dedo e, finalmente, por três palavras sussurradas em um banquete, tão baixas que Sir Rodrigues se perguntava se realmente teriam sido ditas, enquanto se dirigia para atrás do pátio.
No entanto, tinham, e quando ambos se viram prontos para fazerem-se felizes é que subiram em seus cavalos e despiram-se das cotas e dos elmos e dos escudos e firmaram as mãos em suas lanças e apontaram-nas, enquanto disparavam os animais, para onde mais pudessem machucar.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Citação, 3

Às vezes te odeio por quase um segundo. Depois te amo mais.

(Herbert Viana, Quase Um Segundo)

domingo, 15 de novembro de 2009

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Morte presumida

Depois de 13 anos, tinha já casa, tinha filho. Tinha uma vida lá no Uruguai e a nova esposa não queria muito mais que o básico na mesa, que um carinho depois.

Já a antiga, no Brasil, brigava com a sogra pela casa em Ubatuba.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Saudades (22/03/2008)

Ah, que a saudade bate todo dia
De quando usar terno ainda era
Pra dançar, e não rotina
Era 15 anos, aniversário, festa

Ah, que a saudade bate todo dia
Que é porque o tempo vai passando
E claro que a saudade já batia
Mas era só de vez em quando

E até acho que a vida é melhor
Agora do que era antes
Acho que quando se é maior
Já vivemos tantos mais instantes

Que a saudade só pode bater tanto
Por serem tantas as coisas passadas!
E então, temo o dia quando
Viverei de horas idas lamentadas!

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O telefone de volta no gancho. A trezentos e setenta e cinco quilômetros, será que ela também chora?

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Na verdade,

não teve nada a ver com sexo. Nada a ver com tesão. A gente tinha uns quinze anos, só. Eu estava com ela no parque e a gente ficava conversando penduradas no trepa-trepa, até que ela me provocou com alguma coisa e eu dei um empurrão mais forte e ela caiu no chão. Eu corri pro lado dela e segurei na mão dela e pedi desculpa desculpa desculpa, pelo amor de Deus me desculpa, e ela deu um risinho pra mim e disse que tudo bem e foi então que eu entendi.

Acho que é igual com todo mundo, não sei. É claro que as pessoas querem sexo, mas elas também querem apoiar a cabeça no ombro de alguém, ter uma mão para segurar, ter um corpo pra apertar. Eu também queria, mas até aquele momento eu nunca tinha percebido que era daquele jeito. Achar que alguém gosta de homem ou de mulher ou do que quer que seja por causa de orientação sexual me parece uma ideia absurda desde aquele momento. Então, eu passei as mãos nos seus cabelos pretos e limpei um pouco de terra do rosto dela e fiquei me perguntando o que eu faria pelo resto da minha vida.

Acabou que eu passei uns anos sem saber o que fazer. Ela passou, vieram outras e eu me lembro de mim mesma trancada no meu quarto rindo, chorando, gritando quieta. Um dia, quando eu senti que não dava mais, eu abri a porta do quarto e corri pra sala quase sem respirar e chamei a minha mãe.

Eu sou diferente, eu disse pra ela. Acho que eu nunca vou poder deixar de ser.

Minha mãe me olhou com uma cara que dizia tudo, balançou a cabeça e disse que claro que eu era, que todo mundo sabia, mas que agora ela queria mesmo assistir àquele programa, se eu não me incomodava. Eu voltei pro meu quarto em silêncio e me lembro de ter dormido no chão.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Ele ainda entra todo dia no perfil dela no orkut. Mesmo depois de todo esse tempo.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Ele sentia a mão suar,

ele sentia as pernas bambearem enquanto esperava, sentado na sala vazia. Havia cinco canetas (três azuis, uma preta e uma vermelha), uma lapiseira com a logomarca da empresa, uma borracha usada até a metade, três clipes (um dos quais, torto), um grampeador industrial, dois blocos de post-it e um caderno velho espalhados sobre a mesa. Havia cento e quarenta e três formas de ligar todos esses objetos utilizando-se de menos de dez linhas retas, cinquenta e oito figuras geométricas podiam ser formadas usando-os como vértices e Fernando tinha quase certeza de que uma delas era praticamente um octágono regular.
Além disso, havia o computador (com manchas pretas sobre o plástico branco, uma das quais lembrando uma visão em perfil do Getúlio Vargas), a cadeira do outro lado da mesa, a pequena palmeira com quatro folhas bem abertas (quase o mesmo tom de verde da borracha meio-usada), uma réplica de algum quadro de Miró em uma moldura preta de extremo mal gosto, e uma plaquinha com o nome do chefe colocada sobre a porta.
Que abriu.
Ah, oi, espero que não tenha esperado muito, disse o chefe do nome na plaquinha e Fernando não se importaria em esperar mais um dia ou dois, mais a vida inteira. Agora, tinha que falar. Vinte e cinco anos. Completados naquele dia. Bodas de prata com a empresa e só agora ele se sentava na cadeira em frente ao chefe com as mãos suando e as pernas bambeando e a cabeça contando coisas, calculando contas, criando catetos e – eu estou me demitindo, ele disse de uma vez e o resto da conversa foi o chefe quem levou.
No começo, ele gostava, mesmo, ou achava que gostava do que fazia na empresa e agora já não saberia dizer quanto tempo fazia que estava ali só por medo de dizer tchau. E bênção.
No fim, não foi tão difícil e ele aproveitou o ensejo para dizer ao colega com quem dividia a sala que também nunca mais voltaria ao clube de leitura aos sábados, que também disso se demitia. Enquanto se divertia com os olhares perplexos de todos, ajeitou as últimas coisas que tinha sobre a mesa, colocando-as na mochila e desceu pelo elevador e saiu pela porta da frente e entrou no estacionamento do outro lado da rua pela última vez. Pela primeira vez em anos quis colocar alto o volume do rádio e abriu a janela porque quis sentir o vento.
Antes de chegar em casa, ainda passou no clube e na academia e no curso de italiano e cancelou sua matrícula em todos esses lugares. Mesmo assim, ainda eram cinco horas da tarde quando chegou em casa e ele não podia aguentar de ansiedade para dizer a sua esposa, de forma que teve que dirigir até o escritório dela no centro e foi lá mesmo que terminou o casamento. De lá, dirigiu sabe lá Deus para onde, e os boatos de que teria se matado só terminaram quando um conhecido o fotografou sem querer durante uma viagem às Bahamas.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Ela não tinha asas,

não, ela não tinha. Ela usava os cabelos curtos e às vezes, só de brincadeira, saía vestida que nem menino e enganava bem. Ela não era linda, mas ele se apaixonou assim que a viu, ou assim que ela disse bem baixinho que faria qualquer coisa por ele, qualquer coisa que ele pedisse.

Também não era que sua saia fosse curta, era mais a forma como ela andava e as curvas menos se viam que se adivinhavam. Ele ficou parado enquanto ela vinha e lhe sussurrava no ouvido e lhe puxava a gola da camisa.

Ele levaria vinte e cinco anos para entender o que havia acontecido, mas em só cinco minutos já tinha desistido de tentar.

domingo, 6 de setembro de 2009

Eu tinha vinte e sete anos

quando conheci Douglas em uma reunião da minha empresa com alguns clientes. Ele era mais novo e gostava de música clássica e enfiou a mão dentro da minha saia enquanto acariciava minhas coxas no restaurante japonês.
Passamos vinte e dois dias perfeitos naquele julho, e foi num sábado que marcamos um churrasco no térreo do prédio dele. Eu estava falando com umas amigas sobre qualquer coisa, mas fui buscar uma caipirinha e ouvi ele comentar sobre política com uns colegas de trabalho. Foi quando eu descobri que ele votava no Partido Amarelo.
Durante dezenove anos, nós ficamos juntos – eu sempre tentando evitar assuntos relacionados à política quando estava com ele. Uma hora, simplesmente não deu mais.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Quase era tarde demais

quando me lembrei da promessa. Quase não quis voltar. Mas afinal, que tipo de pessoa sou eu, e quando ela chorou e riu e me abraçou, quis sofrer por tudo o que pensei.

Que crime se compara a não receber um poema?

Fiquei triste porque ela não me viu chorar.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Ela me machucava

e sabia que era de propósito. Desde o começo, acho que foi isso o que a diferenciou de mim, o fato de que ela sabia o que estava fazendo enquanto eu só errava. Ela sabia onde estava o corte e então metia o dedo e girava. “Eu estou sofrendo”, ela me disse quase rindo, “eu estou sofrendo sozinha e eu preciso que você sofra comigo”. Ela era tudo o que tornava a minha vida desgraçada e ela tinha consciência o suficiente para olhar para mim e falar aquilo.
Não tinha como eu não a amar.

sábado, 15 de agosto de 2009

De quantas (...)? [2]

Primeiro, foi Pimm's no pub e o Syd Barret me olhando com cifras pintadas no seu rosto, uma, duas jarras, entre quantos? Depois saímos na rua e já éramos apenas seis e depois só três, porque corríamos que nem bestas atrás de um banheiro. The Castle, The Wetherspoon, já que estamos aqui, por que não Malibu Cola, ou Stella Artois? E menos uns pounds, mas a essa altura, ninguém conta mais nada.

E aí pro parque, na grama que é igual, mas o céu é outro, o vinho é outro, nenhuma estrela é igual. A gente no chão, o mijo na árvore, rindo e cantando.

(Mas tem que ser em inglês, porque senão, ninguém entende.)

E, bom...

E depois voltamos e foi uma merda, porque todo mundo tava meio triste e eram 3h e os primeiros ônibus começavam a sair às 5h. No final, tudo sempre é bom, mas também é sempre pra nunca mais.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Último Favor

Ela estava fazendo o melhor que podia, procurando tocá-lo. No ombro, no braço; ofereceu um almoço. Ele, quieto, não sei, indiferente. Os dois vinham andando na rua lado a lado, ela meio debruçada sobre ele e forçando um sorriso, ele com os braços cruzados atrás e olhando as lojas enquanto passava, olhando os livros em exposição em uma banca, olhando um carro de modelo diferente.
Você devia comer, ela disse que disse, talvez um yakisoba que sei que gosta, e parou diante de um dos carrinhos que preparavam na hora o macarrão oriental, mas logo se apressou, porque ele continuou andando. Vai fazer bem para o seu humor. Não, disse ele, e o sol do meio do dia esquentava ambos debaixo das roupas sociais. Eu consigo ver isso enquanto imagino os dois entrando no metrô para atravessar a avenida por baixo e enquanto penso no que significa trabalhar com a pessoa que ama.
Cinco horas depois, conforme ela me contou, eles entravam no mesmo metrô, ou então no estacionamento, porque só agora me ocorre que não perguntei esse detalhe, e estavam de novo lado a lado e ela lhe disse que tinha uma surpresa para o jantar e ainda que ela não tenha querido me contar qual foi a resposta que teve, eu adivinhei que mais tarde, na cama, ela choraria pensando naquilo.

Meia margherita, meia portuguesa. Um vinho tinto chileno, um tocador de acordeon. Oje vita, oje vita mia... Minha Nápoles e Roma, minha Milão e eu equilibrando berinjelas sobre o pão italiano e ela sorrindo triste quando tudo caía às minhas mordidas. Por que eu?
Ela falava, eu só ouvia, que era muito mais fácil continuar amando do que perceber o momento exato em que tudo havia acabado, que era uma injustiça jogar a culpa nos ombros de quem tinha o maior fardo, e eu assentia enquanto rodava a taça na mão e via o rosto dela através do vidro. Porque, ela dizia, também taça-rodeando, todo mundo precisa de... de alguma coisa, sabe? Pra pisar em cima. Eu sabia, acho que eu sabia.
Eu olhava o vermelho cambaleante no copo que ela agora estendia quase acusador, enquanto jogava o cabelo para trás, uma mão passada na testa e um pouco de sardella no canto esquerdo dos lábios pintados. Devo indicar a ela?, talvez estender o guardanapo?, talvez ficar quieto enquanto ela fala? Ela mesma limpa, logo suja de novo. Eu tomo meu vinho e espero minha pizza e penso na minha noite.
Sempre é difícil jantar com pessoas com quem eu não estou acostumado, e ela era irritantemente passiva, embora fosse dela a iniciativa; irritantemente recatada e resolvida a falar de seu marido, embora fosse dela a mão tocando a minha. Ela tinha feito uma surpresa para ele no jantar, mas agora era pizza e agora era eu.
Quando saímos, a noite estava fria. Ela veio pra junto de mim, talvez para se esquentar, e estava mais alegre, então comentávamos rindo das pessoas que passavam com seus cabelos roxos e suas meias calças escandalosas, ou seus vestidos góticos. Subimos a escadaria que levava à rua de trás enquanto um casal gay se divertia, ambos vestidos como noivas e nós fomos a pé, mesmo, para um bar onde uma banda tocava MPB.
Lá eu tentei mudar de assunto, interesses, hobbies, filmes favoritos. Ela respondia e só. Por que porra, eu pensava, ela me chama pra ficar falando do casamento frustrado? Depois de tanto tempo nos limitando a uns ois e boa noites ou a dividir os aparelhos da academia, por que ela me chamaria para sair se não quisesse mais do que lamentar a indiferença do marido? Ela se inclinava para mim, tocava meu braço e olhava nos meus olhos, mas quanto mais ela tentava se aproximar, mais longe dava para ver que ela estava. Pedi outra Original.

Eu nunca o trairia, ela me disse enquanto acenava para o garçom, pedindo mais uma sakerinha. É só que eu o amo demais. Ela parecia desconfortável ali no balcão, mas insistiu em não querer procurar uma mesa.
Agora, mais algumas horas haviam se passado e estávamos em uma boate e ela continuava falando do casamento, mas parecia completamente bêbada. Ela estava linda demais, e eu rodava meu copo vazio, brindando sozinho e em silêncio. Keep still, wait, until... Ela se virou e pôs um dedo na minha boca, eu sentia cheiro de morango e gosto de laranja, eu sentia a música ruim e a vodka, eu tenho certeza de que não teria feito nada se ela não tivesse me olhado chorando e se seu cabelo não fosse tão liso ao toque enquanto eu dizia que não, não, que ia ficar tudo bem.
Tunts tunts, a música batia e ela também, no meio dos meus braços e com o rosto no meu peito. Eu estava perdido no meio da noite, ciente demais das outras pessoas me olhando, ciente demais das lágrimas na minha camisa Armani, ciente demais da pouca importância que eu dava para tudo aquilo enquanto dizia que não era culpa dela, que ele era o culpado, e eu não percebia que quanto mais eu falava isso, mais ela chorava e se espremia contra mim. A sakerinha demorou muito mais do que devia, mas o álcool enfim veio como uma bem vinda fuga de suas complicações conjugais, e eu aproveitei o momento para puxá-la do balcão para a pista de dança.
O resto do tempo que passamos lá foram mais duas sakerinhas e três hi-fis. Ela pagou a parte dela, mas eu segurei a porta aberta enquanto saíamos para a noite, e quando eu pagava o manobrista, pensei que depois daquele abraço molhado, eu não teria como deixá-la ir.
A gente correu na chuva até o carro, rindo, e quando paramos num farol eu pensei que nada daquilo fazia muito sentido, nem eu nem ela nem o vermelho refletido no asfalto, e me lembro de ter cantado junto a música que ela escolheu no rádio. Minha Londres das neblinas finas...
O limpador do para-brisa rodava à toda, as luzes da avenida e dos prédios pareciam um sonho esquisito. Sempre gostei de dirigir de madrugada, de ver as ruas enfim vazias, e de repente tive a ideia de parar num Pão de Açúcar para tomar uma sopa com outras tantas pessoas, tantos cúmplices quando nos beijamos. Eram três e tanto da madrugada daquela quarta-feira e eu ainda sentia gosto de laranja e morango, por cima do caldo de feijão.

Nós, saindo do supermercado entrelaçados, e de novo no carro e depois indo para um motel. Enquanto ela escorregava a calcinha para o meio da canela, enquanto ela descia dos saltos altos e tirava o vestido preto ou enquanto me abraçava e me beijava, eu não reparei no momento em que ela fez a ligação. Quando prontos, porém, ela apertou o botão vermelho do celular e logo depois o aparelho começou a tocar. Eu ouvia gritos do outro lado e via ela chorando em silêncio. Ela tinha o rosto vermelho e encharcado, mas sorriu para mim e me agradeceu quando saiu sozinha do quarto, e aquela foi a última vez em que eu a vi.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

– Ah, os votos que dividimos!

Ele estava dançando na rua, então Jane o puxou para a calçada sem reprimir a risada. A garrafa de vinho, a noite toda pela frente, a sirene distante de uma ambulância. Música!, ela grita para um transeunte, música em sua forma mais pura! E a dança do mundo girando.
Eles se beijam furiosamente, eles se apoiam um no outro, eles sabem exatamente o que é real.
Uma senhora passa e sorri para eles porque já esteve lá e eles também riem, porque um dia estarão e eles são um e são o mesmo e o serão enquanto a noite e o vinho e a música durarem.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

A confissão de que amava,

a sabedoria de que morria daquele jeito, aos poucos, que é como todos morremos. Olhava, não mentia, se agarrava a tudo como podia, bebia a vida, à vida, mas só porque sabia que aquilo não poderia se prolongar por muito tempo. (Se pudesse, teria sido o mesmo?) nunca quis responder, só sabia que amava e que seu coração era capaz de se apaixonar novamente, embora a cabeça talvez não pudesse, talvez lhe dissesse Morre.

– Qual o crime de todo homem? Por que é mesmo que estamos aqui? --

Havia juntado a todos naquele quarto infinito, estava sentado na mesma cadeira em que sempre se sentara, estava vestido com o mesmo rosto que sempre lhe estampara, e foi então que anunciou que estava morto há duas semanas, que seu pulmão não funcionava, que seu coração explodira, que sua carne apodrecesse.

Passado o desconforto inicial, os presentes lhe lançaram as mais variadas perguntas, chocados, todos tão humanos quanto ele mesmo e igualmente cegos ao que realmente se passava com ele(s). Por que, então? Como, afinal? O que há do lado de lá?, mas ele não sabia, como nunca soube o que há do lado de cá.

Era saber que nunca mais veria aqueles rostos, que seu peito provavelmente ainda doeria algumas tantas vezes, era voltar para o começo de tudo e querer somente ter a certeza de que fizera de tudo para se machucar.

Citação (na verdade, não estou citando, só postando, mesmo)

Valentine (Carol Ann Duffy)


Not a red rose or a satin heart.

I give you an onion.
It is a moon wrapped in brown paper.
It promises light
like the careful undressing of love.

Here.
It will blind you with tears
like a lover.
It will make your reflection
a wobbling photo of grief.

I am trying to be truthful.

Not a cute card or kissogram.

I give you an onion.
Its fierce kiss will stay on your lips,
possessive and faithful
as we are,
for as long as we are.

Take it.
Its platinum loops shrink to a wedding ring,
if you like.
Lethal.
Its scent will cling to your fingers,
cling to your knife.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Seu rosto pintado de vermelho,

a luz vermelhazul piscando-ando. Sua roupa no chão, você no chão, essa mania suja, essa sua voz metálica, não, não é a sua voz, é outra coisa, você só olha, com essa pintura, esse chão, esse mundo vermelho que é nossa sala nossa vida, você ainda aí e eu te puxando e falando Vamos vamos pra fora daí, e então você (não, não é você) eu não sei, eu ouço Unidades, Rua Estado de Israel, número, eu fico ouvindo ou então te chutando pra você sair dali, mas você nunca sai, desde que eu te conheço, você sempre fica aí, só aí. Eu ouço me chamarem, não é você, que nunca me chama, é Senhora, por favor, é a mesmíssima educação, a mesma polidez dessa sua cara vermelha que me beijava, que me amava sem me amar, era um toque tão suave quanto o seu, tão sem vontade de tocar, era a mesma falta de paixão que te fez me amar por tanto tempo e nunca um surto, nunca uma briga e atirar coisas na parede, quebrar um prato, não, não, isso não é amor, não sem lágrimas, não assim que nem agora, só rindo que nem besta, como se...

Depois, eu ainda penso se faz alguma diferença, enquanto me deixo atar, me deixo levar.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Correntes

Será que não sabia que aquilo era a confissão de que fora tomada, apoderada, ganha?, será que não ligava?, será que gostava de exibir nas costas da mão esquerda assim, toda risonha, escrito em hidrocor, mesmo, o nome dele e o telefone?

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Citação, 2

"Il leva la tête et lui sourit, l'appelant de son nom, se mit à son tour debout. Il lui caressa doucement les cheveux, lui lissa les sourcils du bout du doigt, lui baisa doucement les lèvres. Tout haut, il lui dit qu'il l'aimait. O, tremblante, s'aperçut avec terreur qu'elle lui répondait "je t'aime" et que c'était vrai."

(Pauline Réage, Histoire d'O)

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Ele sabia que tinha tudo o que queria,

que era nada. Era let it be bem alto, a noite toda e dormindo tranquilo, era ficar deitado vendo o ventilador girar, girar, girar. Só que ele tinha que sair, então ia, ao cinema, ao teatro. Não tinha como não conhecer Bia. Ele ainda era let it be, ainda era o olhar no ventilador. Ele sabia que podia ser isso pra sempre e era só deixar as coisas como estavam. Mas aí, com o telefone já na mão, o número já discado, a coragem já tomada, era tarde demais.

sábado, 6 de junho de 2009

Citação

"My love for Linton is like the foliage in the woods; time will change it, I'm well aware, as winter changes the trees. My love for Heathcliff resembles the eternal rocks beneath--a source of little visible delight, but necessary."

(Catherine, in Wuthering Heights, de Emily Bronte)

terça-feira, 2 de junho de 2009

Foi Gustavo quem me chamou para morar na república,

mas quando eu cheguei lá, todos estavam, menos ele. Todos eram Laura, Alex e Joana. E agora, eu. Eu era Rodrigo e Fernando, eu era todo mundo. Eu era todos os que sentem vergonha ou o desconforto de estar e não ser. As pessoas gostam de substantivos, como se as pessoas ou as coisas fossem elas mesmas, quando na verdade nós muitas vezes somos um tempo, um verbo. Eu era, portanto, entrar, corar, pedir licença.
Laura e Joana ficaram olhando e não disseram nada, enquanto Alex parecia não ligar para mim, então eu disse oi e o meu nome, e contei da oferta de Gustavo, me surpreendendo quando Alex perguntou se então eu ia morar ali. Ia. Ele assentiu, elas voltaram ao que quer que estivessem fazendo e foi só então que, enquanto levava minhas coisas para um dos quartos, eu me senti em casa.
Eram dois quartos, na casa, então supus com razão que eles eram divididos entre o masculino e o feminino. Ajeitei minhas coisas no quarto que Gustavo até então dividia com Alex e, na falta de uma terceira cama, estendi um lençol sobre um sofá velho, que me seria mais do que suficiente. Experimentei deitar e testar as almofadas, que me pareceram confortáveis o bastante. Depois, quando me levantava, Gustavo entrou, feliz pela minha aparente adaptação à nova casa. Então, ele perguntou o que achei. Respondi um ótimo ótimo e joguei novamente a cabeça para trás, soltando-me sobre o sofá e provando o que dizia. Ele ficou satisfeito, e me chamou para a sala, onde eu finalmente teria uma chance de conversar com meus novos companheiros de casa.
Joana ainda era Joana, ainda era uma pessoa silenciosa e arisca, ainda me olhava com alguma indiferença enquanto costurava alguma coisa. Essa era ela e não era exatamente hostilidade o que ela me direcionava, ao contrário de Alex, que claramente também era ainda Alex, e me evitava abertamente. Laura era quem mais havia mudado e agora falava comigo de forma quase franca, demonstrando um humor muito próximo ao de Gustavo, o que, a essa altura, muito me agradou. Ela pegou um violão e os dois insistiram muito para que Alex o tocasse, então foi logo no primeiro dia que eu formei a imagem que guardaria por todo o tempo que se seguiu como sendo a de meus companheiros: Alex encostado na parede, o violão tocando uma música que eu não conhecia; Joana deitada de bruços com a cabeça apoiada nas mãos e os pés erguidos para o ar; Gustavo abraçando as pernas, sentado; Laura olhando vidrada, quase sem se dar conta de que sorria, e por muito tempo eu me perguntei se era a visão em primeira pessoa o que me impedia de fazer parte da cena.

As tarefas se dividiam, louça num dia, lixo no outro, as despesas, idem, e assim é que vivíamos. Depois que cheguei na casa, que ficava a mais de cem quilômetros de qualquer coisa, mais de um mês se passou antes de eu sair dali para qualquer motivo que não fosse comprar comida, materiais de higiene e qualquer coisa que fosse necessária na casa, mas essas coisas nós comprávamos numa mercearia não tão distante, de forma que ninguém havia ido para a cidade propriamente dita durante todo esse período. Até onde eu podia saber, mesmo antes de minha chegada era assim que viviam e a única ida à cidade de que tomei conhecimento foi a própria viagem de Gustavo, quando de minha chegada. Calcula-se: éramos todos novos e confinados, bebíamos e nos amávamos, tínhamos-nos por irmãos e companheiros.
Durante três semanas, sentávamos no chão da sala e Alex ou eu tocávamos alguma coisa no violão (em geral ele, que era mesmo melhor) e abríamos garrafas de vinho tinto ou de cachaça artesanal, e Laura dançava, e Gustavo dançava e eu dançava. Por fim caíamos, de sono, de bêbados ou de dançar, no chão da sala e lá infinitávamos nossas noites.
Já na primeira semana, percebi que ninguém ali se dedicava a nada que não a convivência. Para conseguir o pouco dinheiro que tínhamos, Joana escrevia poesia, Laura e Gustavo pintavam e Alex compunha modinhas e músicas populares, e as poesias eram nós, as telas eram nós, as músicas eram nós. E eu tinha meu notebook e fazia trabalhos freelancer de design.
Em tudo, acho que éramos assim. Eles eram eles, eu era quase. Inicialmente, achei que Alex havia visto em mim um rival, o que não seria absurdo, embora eu não admitisse à época. Hoje em dia talvez tenha uma ideia melhor do que de fato acontecia, e se for este o caso, afirmo aqui que o receio que ele demonstrava se assemelhava menos à competitividade entre machos do reino animal do que à xenofobia. Eu nunca consegui deixar de ser um estranho, ali, por mais que nenhum de nós se desse conta disso; eu era uma lembrança constante de que havia um mundo lá fora; de que a vida não era só uma casa com vinho e música e artes. Como eu disse anteriormente, não era assim que eu entendia as coisas à época, assim como provavelmente não era essa a interpretação de nenhum dos demais, mas me parece suficientemente verossímil enquanto teoria, e funciona bem como metáfora. Ademais, serve como ligação com as coisas que aconteceriam depois, quando tudo mudou.

Alex ainda se recusava a abrir-se comigo, mas não pôde esconder quando começou a enamorar-se de Joana. Apesar de ter dito, e não menti, que nos amássemos, aquele foi o primeiro envolvimento afetivo, no sentido que talvez outro daria à expressão, entre pessoas da casa. Depois, muita coisa mudou.
Primeiro, tivemos que mudar a organização dos quartos, de forma que Laura passou a ficar comigo e com Gustavo. Essa questão, porém, foi secundária. Depois que passaram a estar juntos, Joana e Alex começaram a frequentar a cidade diariamente.
Como crianças novas demais, os dois demonstravam uma sede enorme de ver tudo quanto havia na noite urbana, ansiavam por ir a cinemas e teatros, a restaurantes e boates e, também como crianças, voltavam para casa à noite escondendo, por meio de relatos incríveis, a frustração por não conseguirem realmente pertencer àquele meio. Sim, adianto-me às adivinhações que decerto surgem da forma como dispus os fatos, e confirmo que me senti vingado quando percebi a forma como Alex e Joana agora se sentiam frente ao mundo que se lhes impunha. Ouso dizer mais: que foi desse meu sentimento de vingança que começou a nascer minha atual compreensão da minha situação estrangeira na casa, e não errará quem estipular que eu aproveitei os novos fatos para tentar reverter minha condição.
Foi quando soubemos, por meio dos aparentemente entusiasmados Alex e Joana, que haveria na cidade uma festa noturna de rua, uma espécie de carnaval fora de época. Animados com a recente euforia metropolitana de Alex e Joana, Gustavo e Laura se interessaram em participar da festa, o que gerou uma situação quase conveniente demais para que pusesse em prática meus planos de aumento de popularidade e intimidade com meus companheiros.

Foi estranho pisar novamente nas ruas esburacadas, nas calçadas tortas. Foi estranho estar novamente entre milhares, ao invés de cinco. A cidade ainda era linda. Imaginar aqueles jovens outrora reclusos se movendo pelas ruas escuras, pelas calçadas esburacadas e pelos corredores abarrotados de gente, imaginá-los entrando em bares, desviando-se de automóveis, trombando com desconhecidos, imaginá-los usando banheiros químicos e dançando ao som de trios elétrios, pode ser desafiador, e se serve de consolo ao leitor, confesso que mesmo visualizar as cenas me foi custoso. Eles eram tímidos, mas não podiam evitar que se destacassem dos demais, e eram maravilhosos e eu os amei demais naquele momento. Eu, se não completamente afeito à situação, era ao menos o mais descontraído dos cinco, mas ainda me doía que não me seguissem. No começo, achei que fosse o entusiasmo, ou essa necessidade que aqueles que se encontram artificialmente em uma determinada posição têm de legitimar que ali estejam ainda que para isso tenham que agir de forma exagerada, muitas vezes forçando uma autoridade maior do que a daqueles que ali nasceram. Essa teoria me explicava o por quê de não recorrerem a mim, mas logo meu incômodo se tornou demasiado.
Não me ouviam (nem Gustavo, nem Laura!), não me incluíam nas conversas entre eles ou com estranhos, não me procuravam quando me desgarrava. Por três vezes fomos obrigados a parar e pedir informações e nas três vezes fui eu quem conseguiu as melhores respostas. Só por isso é que, em uma quarta ocasião, Alex virou-se para mim e perguntou se será que eu poderia ver isso com aquele grupo, porque por algum motivo eu me dou bem com essas pessoas, e foi então que eu fiquei realmente nervoso e falei girando no meio do grupo (porque falava para todos, e não apenas para Alex) que é óbvio que eles se dão melhor comigo porque eles são eu e tudo o que vocês procuram aqui sou eu e eu estou com vocês o tempo todo, mas eu não entendo por quê eu não sirvo.
Eu estava girando e também bêbado, e eu via todos eles, menos Alex e Joana que já não estavam lá (teriam ido perguntar, teriam...), eu via todos, Gustavo, eu via Laura do lado dele e eu no meio e eu via a forma como ela me olhava e foi então que eu entendi.

Depois, não sei bem. Acho que tive um branco, um apagão. Talvez eu só não me lembre. Lembro de Laura, depois. Gustavo foi comprar cerveja, eu acho, ou ao banheiro, ou talvez ele estivesse ali, mesmo, e eu é que não via. Eu falei para Laura que eu tinha entendido, eu falei que eu estou perdendo, não é, e ela disse que sim. Eu disse o jogo, não é, e ela disse que era. Depois eu vi Gustavo, ou então ele voltou. Depois a gente estava em casa, tanto faz. Quando eu cheguei eram quatro pessoas, depois dois casais viraram o mundo. E eu perdi.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

A vida não é o bastante (13/10/08)

Se tivesse que pintar-se, pintar-se-ia o Artista qual cavaleiro ou qual florista, mais alto do que belo, mais belo do que forte; dar-se-lhe-ia roupas do medievo e um aspecto — de que sorte? Imponente?, intrigante?, inteligente, certamente. Quando andava assobiava, canário, e ria-se e via-se que seguia sem destino nem caminho, que o mundo lhe era cenário, tão somente dele não era parte; apenas retratava-lhe a Arte.
Subia a rua o Artista, o olhar clínico, o pincel cínico na mão e um faro que o levava para onde a Arte poderia estar, e parou na praça, sabendo que ia pintar. Amarrou o cachorro, montou o tripé e começou o trabalho. Ao seu redor, uma mulher com os filhos, um vendedor de qualquer coisa, velhinhos, um baralho, as coisas de sempre.
E era aí que estava seu diferencial, era isso que lhe dava a maiúscula, era esse seu dom de olhar e enxergar o que queria, e podia ser um canto de algum pássaro ou de algum prédio, sempre havia alguma coisa que lhe apontava algo mais no dia a dia, onde outro qualquer, nada veria. Então, pintou pelo resto da tarde, e nenhum dos presentes reconheceu a paisagem pintada e julgaram-no louco, porque nenhum via a Arte que ele retratava. Viam nos prédios, pedras; nos pássaros, penas, apenas. Porque vazios, viam vida, e era pouco.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Um post demasiado bunda-mole

A bala é um comprimido de metal não maior do que um dedal rodopiando. O furo é menor do que uma moeda de 10 centavos; se você não soubesse, nem notaria. Atrás é que o impacto faz o estrago maior e são crânio, miolo, sangue na parede.
Sangue na minha boca, sempre gostei do sabor, mas agora... Sinto vontade de compartilhar com você. Você percebe, é claro, e me beija para sentir o gosto também, mas acho que não é só isso, talvez seja essa sua mania de concluir as coisas, talvez você só queira dar um beijo que sabe ser o último.

Esse sou eu, obviamente antes. Você ainda não está lá, mas não deve demorar. Veja: eu manobro o barco e desço no cais e lá está você, próxima ao muro, meio escondida, porque somos só nós dois, sempre só nós dois, desde que tínhamos o quê? Dez, onze anos? Não mais do que isso.
Na época eu achava que me doía ver você tão sozinha, tendo que deixar sua família por mim. Pensando agora, acho que eu nunca me senti culpado de verdade. Você sabe que nós nunca tivemos por quê nos desculpar, e na época eu acho que a minha raiva de tudo ainda não havia se desenvolvido tanto, eu acho que as coisas entre nós eram maravilhosas demais para eu perceber. Por isso é que foi só quando as coisas se radicalizaram, quando os do nosso tipo passaram a ser perseguidos (e nçao só histilizados), só então é que nossa história começou.
Eu me lembro de ficar bravo porque você sempre foi mais criticada do que eu, só porque eles achavam que você não havia nascido assim, havia escolhido depois, por minha causa. Como se isso fosse coisa que se escolha! Eu me inconformava, você se lembra, eu achava odioso, e agora, quem diria?, você vem e me mostra que não, que foi melhor eles terem pensado assim! Que pelo menos um de nós pode se salvar e basta que ninguém jamais descubra que, por essa sua teimosia besta, você decidiu me dar um último beijo, ainda com a arma quente na mão.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Um post demasiado pessoal

Acho que é normal as pessoas mudarem. Acho que é bom. Encontrar alguém, pra gente, pra sempre. Pra justificar tudo. Mas eu vi seu quintal e tinha lixo, e tinha mato no seu jardim e o pior de tudo era que o pomar estava limpo e lindo e dava limão no limoeiro, mas pra quem? Eu não colhi, ninguém colheu. Era você que tinha que colher.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Somos todos sádicos

Porque amamos;
E sofremos e choramos, (Nós sabemos o quanto dói.)
E ainda quanto fazemos para que nos amem!

domingo, 26 de abril de 2009

Acaso, 2

O segundo encontro foi na mesma casa noturna, só que uma semana depois. Era quinta-feira. Ele estava falando com outra garota, o braço apoiado na parede como que cercando ela, que também se encostava, só que pelas costas, e então alguém o cutucou e ele virou e era Laura. A outra menina, a encostada na parede acabou ficando com o copo de caipirinha, mas aquilo parecia promissor.

Treze horas antes ele saía da faculdade e Raíssa o chamou e eles ainda tinham aquele trabalho pra entregar na mesma semana e ele percebeu que ela tinha certeza de que ele não faria absolutamente nada.

Com a luz piscando daquele jeito, era engraçado ver Laura dançando, porque parecia um filme em stop-motion. Ela não era de verdade linda, mas quando virava de costas e abaixava com uma mão sobre a cabeça, quando ela virava e o puxava e mordia o seu lábio de baixo (o lábio de quem?), com a música daquele jeito, aquilo era exatamente o que ele esperava de uma quinta-feira às duas da manhã.

Não, não, ela podia deixar, claro que ele ia fazer a parte dele, mas aquele meio sorriso descrente era tão incrivelmente irritante que naquele momento ele decidiu que não era mentira, que ia mesmo. Não, não, claro, amanhã se reuniriam. Amanhã? Certo, certo, às 7h? Por Deus, logo às 7h? Numa sexta feira, às 7h? O quê? Sim, sim, claro, às 7h, então. Sem falta.

Aquilo estava começando a ficar impróprio para o lugar, e todas as pessoas olhavam e Fernando estava se exibindo, mas também concluía que era hora de sair dali. Quando a puxou de leve ela virou e mostrou a língua e tinha uma pílula lá que ela deu pra ele em um beijo e também, que importava que olhassem? Fernando era mãos e língua, Laura era corpo, o resto era o resto. Mais uma caipirinha, então, e agora era ela que puxava, e as paredes passando também em stop-motion (ainda era por causa da luz?), trombou com um casal, todo mundo riu, ou foi só ele, e já estava pagando a conta de novo e saindo.

Dessa vez, estava com a chave do carro, então entraram e chegou não sabia como à casa dela. Ainda no carro, se derrubavam, se puxavam, se rasgavam, então era só ela falar alguma coisa para ele dizer que sim, que queria entrar fosse para que fosse. Mas então era aquele sorriso duvidando de novo, ele língua, ele mãos, ele não querendo ser cabeça, e ela corpo, ela língua, também, e já eram quase quatro horas, apenas, quatro horas e uma noite inteira pela frente, já quatro horas e amanhã, às 7h, língua, corpo, mãos, mas então cabeça e um beijo que tinha a clara intenção de ser o último, pelo menos por enquanto. Ela riu, entendeu, saiu do carro. Dessa vez ele pediu o telefone, mas ela já batia a porta do carro e, se ouviu, fez que não.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Acaso, 1

Quando Fernando chegou à boate, a noite já ia avançada, porque ninguém gosta de ser o primeiro. Ele eram três, os dois amigos e ele, e portanto, três bohemias long neck a R$6,50 cada. Um guardanapo em volta da garrafa, tomando no gargalo e um deles saca um cigarro; era a caça. Nessa noite, Fernando conheceu Marcela e Pâmela e duas loiras, uma cujo nome não entendeu, outra cujo nome não perguntou, e conheceu também Laura, uma ruiva um tanto estranha, mas que parecia bom negócio, porque já eram mais de 4 horas e o dia ia acabando.
Chegou-se a ela pondo a garrafa (não a mesma) em cima do balcão e se assustou quando ela pegou a cerveja, tomou todo o resto de um gole, puxou-o pela gola da camisa e o levou para fora da casa noturna. Nunca tinha sido assim para ele, e ele seguiu, porque os amigos provavelmente fariam o mesmo. Pagaram as contas, cada um a sua, e riram juntos quando sentiram o vento da noite fria, em contraste com o calor esfumaçado de dentro.
Nessas situações, ele costumava... Costumava o quê? Nunca houvera outra situação como aquela, e ele demorou quase um minuto para se constranger porque a chave do carro não estava com ele. Ela riu e fez sinal para um táxi.
Fernando abriu a porta para ela, na tentativa de retomar o controle das coisas e entrou no carro já se inclinando para mais um beijo, mas quando foi fechar a porta atrás de si, viu que não podia. Uma pausa: não era nenhum impedimento moral que mantinha a porta aberta, mas a mão de Thiago, um dos dois amigos, que segurava a porta e indicava com a cabeça o terceiro deles, Felipe, que claramente tinha bebido demais. A Fernando, restou suspirar, terminar o beijo interrompido e sair do táxi com uma desculpa murmurada. Ele não pediu o telefone dela, nem ela o ofereceu.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Sem título

Não, não muda de calçada!
Nem me vira assim as costas!
Dei-te asco, eu sei, mas fiz
tudo pra ser o que gostas.

Não espero que te lembres –
o tempo agora é passado.
Só o que peço é que tu saibas
quem tiveste ao teu lado.

Quero que saibas ao menos
que um dia foste quista
em silêncio e sem segredo
que o amor se dá na vista.

Já não saberei como andas
ou de quem tem companhia.
Só me importa que tu saibas:
que se não hoje algum dia

Tiveste alguém que a ti quis
melhor do que a si próprio.
Que a ele foste colírio
Teu sorriso era seu ópio.

E se agora o passado e
não presente ao verbo emprego,
por favor diga que isso
não te tira o sossego!

Se depois a vida segue,
que te importa se eu esqueço?
Não te valhe que tu saibas
já ter sido alvo de apreço?

Se hoje eu a outra chamo,
não é desprezo ao beijo teu!
Não te valhe já saberes
que tua vida a alguém valeu?

domingo, 12 de abril de 2009

Doce vida

Como a moça que se deixa bater, que mesmo o deseja enquanto amarrada, humilhada e usada, enquanto compartilhada pelo amante com tantos, reificada, até. Que se sente privada dela mesma e se entrega além do que alguém pode conscientemente se entregar e quando confrontada com qualquer coisa que haja de ultrajante ou de terrível, baixa os olhos obediente e repete Eu o amo, eu o amo.
Como o homem que se sabe traído e sente a vergonha de fingir o que não se finge e que espera acordado e acredita no que sabe mentira (duplipensa?) e perdoa tudo sem perdoar nada, pois não há o que perdoar, não há traição, não há nada. Que ouve as fofocas e o nome trocado e ainda paga o analista, dentista, oculista, recebe em casa o amigo comunista, mas não liga, não liga, que a ama, que a ama.
E como o homem que quer se saber senhor porque não pode cogitar que não a possua, porque quer-lhe tanto que inteira e toda, e como a mulher que volta à noite para casa (nunca deixa de voltar) e, ao ver que a espera, reconhece-o grande e sabe-se menor e curva-se e oferece-se inteira, porque amamos.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Haha,

ri ele, amarelo, e é ela quem olha duro porque tem que manter a seriedade. Nem parece que é ele quem comete ali o crime, quem toma a frente da ação; ela tenta não chorar. Um pássaro ciscando, uma mariposa que voa, um papel levado pelo vento. Um vendedor de pipocas: são seus olhos, os dele, que não param quietos, que não se concentram. Ela aperta sua mão na dele, puxa os braços, chama o nome. Ele olha, mas não foca.
Eu sou o outro, no banco em frente, um livro disfarçado na mão. Eu vejo as lágrimas e não ouço a discussão. Quando levantam e saem, não sei se vão se ver de novo, se vão se amar de novo. Também não me importa, e é bom que posso voltar a ler.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Balada da Penitenciária de Reading

Oscar Wilde, The Ballad of Reading Gaol, I, tradução livre.

I


Ele não vestia a casaca vermelha,
Pois rubros são o vinho e o sangue,
E o sangue e o vinho estavam em suas mãos
Quando o acharam com o corpo exangue
Da pobre moça morta que ele amou
E assassinou na cama, estanque

Ele andou entre os jurados
Em roupas de cinza vil
Tinha um boné sobre a cabeça,
Seu andar era leve e pueril;
Mas eu nunca vi um homem que tivesse
Tão melancólico perfil

Eu nunca vi homem devotar
Tão melancólico olhar
Para o pouco de azul que de céu
Os prisioneiros ousam chamar,
E para cada nuvem que flutuasse
Com o vento a soprar

Eu andei com outras almas que sofriam
Dando voltas no chão de terra
E me perguntei se era pequeno ou grande
Aquilo que o homem fizera
Quando ouvi um sussurro atrás de mim:
“Aquele camarada já era.”

Por Deus! As próprias paredes da prisão
Pareciam bambas, de repente
E o céu sobre minha cabeça
Virou um elmo de aço quente
E ainda que minha alma sofresse
Era uma dor que já não se sente

Eu só sentia as idéias assustadas
Que lhe apressavam o caminhar
E o motivo de ele voltar ao dia
Tão melancólico olhar;
O homem matou aquilo que amava
E por isso o iam matar.

Porém todo homem mata aquilo que ama,
Uma verdade a todos dada,
Uns o fazem com um olhar áspero,
Outros com a lisonja falada,
O covarde o faz com um beijo,
O valente com uma espada!

Alguns matam seu amor quando jovens,
E outros já quando idosos;
Alguns sufocam com as mãos da Luxúria,
Outros com punhos d’ouro, brilhosos;
Para propiciar morte mais rápida,
Com facas matam os mais generosos

Um ama de menos, outro demais,
Um compra o que outro vende;
Um chora durante o ato,
Outro dor nenhuma sente:
Pois todo homem mata aquilo que ama,
Ainda que contra nem todo a morte atente.

Nem todo homem morre em vergonha
Em um dia de negra desgraça,
Nem tem um nó ao redor do pescoço,
Nem sobre a face uma mordaça,
Nem cai de pé quando o chão se abre
Em uma palanque em plena praça.

Nem todo homem senta-se entre outros
Que o observam noite e dia;
Que o observam quando quer chorar,
Ou orar em agonia;
Que o observam para que não se lhes furte
O prazer de tirar-lhe a vida.

Nem todo homem acorda e vê
Em seu quarto figuras de terror,
O vacilante Capelão de branco,
O Xerife ameaçador,
E o Governador em preto brilhante
Com o rosto condenador.

Nem todo homem levanta de supetão
E veste as roupas de prisioneiro,
Enquanto um doutor ri com sarcasmo,
E nota cada tique ou trejeito,
Batucando em seu relógio cujo tique
Soa qual terrível golpe certeiro

Nem todo homem sente a sede
Que resseca a garganta
De quem espera o carrasco
Que pela porta se adianta
E o amarra com tiras de couro:
Finda a sede que era tanta

Nem todo homem se inclina para
Ver-se ser sepultado
Nem, enquanto ouve “estás vivo”
Do coração atormentado,
Fecha o próprio caixão e segue
Para o horrível outro lado

Nem todo homem perde o olhar,
Vendo as grades por detrás:
Nem todo homem reza, a boca seca
Pra que a agonia o deixe em paz
Nem sente na bochecha trêmula
O beijo de Caiafás

sábado, 21 de março de 2009

DO

significavam muito mais para ele do que elas mesmas: eram uma profecia quase cumprida, um sermão quase demasiado tardio, uma sentença quase devastadora. Por isso é que saiu em desvairio, porque tinha que chegar antes que o mundo implodisse e as larvas e o escuro e nada.
Enquanto corria, teve tempo de pensar e pensou em Marcela sozinha no porto e numa espera que não acabou e pensou na noite chegando e nos tipos que desfilavam pelas sombras e em palavras que assustavam, em gestos e em facas. Pensou nela lhe odiando (pensou nela, lhe odiando) e se perguntou porque não havia acreditado que ela esperaria, porque havia deixado uma briga tão pequena, tão insignificante tirar-lhe a certeza...
E então chegou ao porto e gritou-lhe o nome e gritou-lhe o nome e gritou-lhe o nome, mas já não estava lá. Conforme voltava, era tão destruído seu semblante que um jovem não se pôde conter e pôs-lhe a mão no ombro e perguntou o que havia acontecido, e ele teve de ser sincero e disse Havia apenas uma mulher no porto, e não era a minha.
Para seu espanto, o outro ouviu as palavras com lágrimas nos olhos, porque
LOOP

sexta-feira, 13 de março de 2009

Lucy in the sky

A seda lhe cai bem e o espelho também é generoso. Faz poses e gira e brinca pois gosta de ver-se linda. Que nem criança, veste todos os vestidos, todas as saias, todas as blusas.
Que importa, afinal, que nasceu homem?

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

O carvalho e o seixo

Rodrigo é o homem que enfrenta, mas teme. Não fosse o dicionário, diria: arrefecera. Aliás, com dicionário mesmo, digo, pronto, arrefecera e se prostrava ali em frente à cena toda. Porque forte, fraquejava. Mas Fernanda, Fernanda dança à música, a música; Fernanda é flor jasmim. Chama: Rodrigo. Recusou. Chama, recusou, clama, recuou, cama, refugou, chama (agora é a outra, substantiva), relutou. O homem forte, Rodrigo não cede. Tarda. Tardam: as horas, o relógio olhado, o corpo erguido e vai. Quando sai, Rodrigo é pedra? Mas rola, demora-se ouvindo a música que passa pela porta. À vitrola, a flor é ainda flor.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Se você ligar,

vai querer que alguém atenda. Eu fico ao lado do telefone esperando ele não tocar. Tocar. Não tocar. Esse sou eu: se não toca, eu grito, eu choro, eu pulo na frente de um caminhão com a boca ainda cheirando a vodka.
Se toca, faço pior.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

"Não,

eu não vou apoiar (não dessa vez), porque foi a mesma coisa quando você mudou do vôlei para o esqui e do esqui para o violão e então para mergulho e agora essa idéia de alpinismo e meu Deus será que nada te interessa por mais do que alguns meses?”
“Bem, apoie se quiser e sinceramente, vinha já cogitando o divórcio, mesmo.”

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Beijá-la

Hah! Suga de mim o veneno (indicativo ou imperativo, ou ainda você acha que matamos a língua?), vem que eu te levo pro mundo pro mundo inteiro em partes inteiros. (Quantos mundos são o mundo é?)

Longe assim (de mim) é ru-im. Aqui, sim. Visto de cima tudo é menor, tudo nada importa (não é uma metáfora), explodindo tomates, voando de costas. Cai pra lá, cai pra cá: é a chuva vista ora de cima ora de baixo das nuvens. É um circo como eles deveriam ser, é um poema lido de dentro.
É um
beijo.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Eu não sou um sexopata

-- Ela poderia ter quarenta!, quarenta anos e para mim? Diferença alguma, a amaria de igual maneira! Poderia ter quarenta anos, eu digo!

E, no entanto, não tinha.